Hoje pude ler uma manchete de jornal eletrônico que dizia:
“Zeca Pagodinho diz que pode sair do Brasil se país continuar como está.”
E continua o texto:
“O cantor e compositor Zeca Pagodinho, um dos maiores nomes do samba brasileiro, pode deixar o país para viver no exterior. Quem diz é o próprio.”
Essa história me faz lembrar alguns diálogos que tive recentemente com alguns jovens alunos, com jovens trabalhadores e também com vizinhos, pais de classe média, acerca do desejo de que eles mesmos e seus filhos nutrem de chispar para morar fora do Brasil.
- Oro todos os dias e trabalho para conseguir dinheiro e mandar meus filhos estudarem nos Estados Unidos! O Brasil não tem jeito! Me confidenciou o primeiro.
- Se aqui não está bom eu me mudo. Lá fora é que tem oportunidades e pouca burocracia, quem quiser trabalhar lá, trabalha! Emenda o outro.
- Portugal é bem mais fácil, a mesma língua. Lá eu vou ganhar em euros. Não aguento mais essa política aqui no Brasil! Argumenta o terceiro.
Esse comportamento é extraordinário. Mas essas pessoas não sabem o que falam, elas não sabem mesmo o que é sair do país, sair da terra.
Na antiguidade, Sócrates, o filósofo, foi acusado pela elite de Atenas de negar os deuses e corromper a juventude com suas ideias. Ao rebater a acusação de que corrompia a juventude e era uma ameaça à sociedade, Sócrates afirmou que o que procurava com seus ensinamentos era ensinar, não só os jovens, mas todos os cidadãos a agirem com sabedoria, a serem honestos, justos e virtuosos.
Apesar das inconsistências dos argumentos das acusações, Sócrates foi condenado a beber a cicuta, um veneno da morte. Uma vez condenado, podia optar pelo desterro ao invés da morte. Mas, para ele o desterro significava perder a alma, ou seja, não há como sair individualmente da cidade porque a sua alma é coparticipe da sua comunidade.
“Muito amor à vida deveria eu ter para ficar tão estúpido que não compreendesse que, se vós, sendo meus concidadãos, não pudestes aturar minhas conversas e assuntos, tão importunos e odiosos para vós, que neste momento vos estais procurando livrar deles, outros hão de aturá-los melhor?”
Todas as pessoas do mundo moderno, diferentemente do mundo antigo, elas podem se isolar, mudar a vida a partir de mudar de cidade, mudar de país. Ninguém está vivendo no mundo antigo onde a comunidade era a própria vida. O desterro seria uma opção?
Com a palavra o Zeca Pagodinho! Ele não é mais um cantor, é um mito. Vai virar um bebedor de cerveja na Nova Zelândia, nos Estados Unidos, na Inglaterra? Ou vai mesmo é para Portugal, onde a língua é quase igual, e continuar a fazer propaganda aqui no Brasil?
O Zeca um dia cantou os versos:
“Deixa a vida me levar
Vida leva eu
Sou feliz e agradeço
Por tudo que Deus me deu.”
“Se a coisa não sai do jeito que eu quero
Também não me desespero
O negócio é deixar rolar.”
As palavras inspiravam pessoas da minha geração a ter mais paciência, saber levar a vida de adversidades sem perder a esperança.
Mas nesses dias em que precisamos recomeçar e acreditar, Zeca Pagodinho nos dá um péssimo exemplo. Optar pelo desterro é desistir de si mesmo, da individualidade enquanto pertencentes à nossa comunidade cheia de defeitos. É desistir de muitos outros, quase todos, que não têm a opção de sair ou ficar.
Como se o homem antigo não tivesse ensinado que isso é quase impossível, mesmo para o homem moderno que herdou essa ilusão de extrema individualidade.
Atenas, o berço da filosofia e da democracia condenou à morte um dos maiores pensadores daquela época. A democracia também não tolera a filosofia.