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VALORIZANDO AS MULHERES DA MINHA VIDA (Uma História de Três atos)

VALORIZANDO AS MULHERES DA MINHA VIDA (Uma História de Três atos)
Altamir Azevedo Lopes
Mar. 11 - 10 min read
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PRIMEIRO ATO

Cachoeiras de Macacu, Rio de Janeiro. Tenros 4 a 5 anos de idade. Minha primeira lembrança da atitude de uma mulher. Ela, diante de um fogão a lenha improvisado com tijolos, se esforçando a acender os gravetos com alguns fósforos e jornais velhos, tenta acomodar a panela de pressão esfumaçadamente enegrecida por conta de anteriores usos para preparar o feijão preto pros dois filhos. O gás era escasso, precisava economizar o suado dinheiro conquistado pelo marido.  Braseiro aceso, brasa viva que incendeia o coração de uma mãe dedicada e altruísta. Minha mãe.

As marcas do tempo e do sentimento cravejaram no meu coração o exemplo que eu precisaria vislumbrar para seguir a minha própria vida. Inúmeras foram as concessões, intermináveis sacrifícios e extrema dedicação foram oferecidas pela pessoa que, mesmo sendo considerada como um “sexo frágil”, tornara-se cada vez mais forte.

Privada pela vida e por consortes de ter o seu sonho pessoal realizado – o sonho de ser professora – estudou tão somente a primeira série do ensino fundamental. Por consequência, quando punha um livro nas mãos as letras fugiam, se misturavam e se confundiam diante dela – Ler era um prazer sacrificante. Escrever era uma tarefa excruciante, mas desejavelmente emocionante. Um lápis e um papel eram instrumentos de libertação cujo direto de utilizar com maestria lhe fora extraído.

E no início dos anos 80, quando eu ainda não havia chegado nem ao meu sexto ano de vida, eis que essa mulher, numa casinha pobre de tijolos crus, piso de terra batida forradas com tábuas velhas de obras, sem água e sem luz, janelas cobertas com folha de flandres retirados da sucata, num ponto isolado e bem afastado do centro do município de Itaboraí, eis que essa grande mulher realiza seu sonho juvenil da maneira mais bela: Decide ensinar o que conhece das letras ao seu próprio filhinho.

Com uma cartilha impressa em papel-jornal, um lápis apontado com a faca cega da improvisada cozinha, um pedaço de miolo de pão velho para fazer a vez da borracha de apagar, algumas folhas de caderno velho e de papel de pão (para economizar as folhas do caderno), iniciou-se a saga de ensinar àquele menininho, à luz de lampião alimentado por querosene, os encontros sublimes das letras.

O sonho de ser professora foi realizado, Mais do que ela imagina. E a realidade concreta da formação de um homem estava sedimentada às mãos dessa grande mulher. Em poucos meses o garotinho lia e escrevia. Obrigado, mamãe. Hoje eu sou professor porque a senhora foi minha primeira professora.

SEGUNDO ATO

Conheço-a desde os onze anos de idade. Confesso que quando a vi pela primeira vez, fiquei meio ressabiado com seu ar misterioso, andar contido e modo elegante de se arrumar. Aquele vestido vinho adornado com um bolerinho de mesma cor a contornava de forma singela e discreta e ficou gravado em minha mente.

Foi nessa época que ela se tornou amiga da minha irmã. E isso a fazia ter contatos frequentes na minha humilde casa. Para mim, era a princípio mais uma irmãzinha que a vida brindou-me. Sua discrição e modéstia juntamente com sua doçura e delicadeza aprofundava o meu respeito por ela.

Uma vez, achei tão bonitinha a cena dela tomando seu café com leite sentadinha no quarto. Café com leite – por anos sua degustação predileta…mal sabia eu que essa simples mistura marcaria doravante os laços que eternizariam nossa amizade e de nosso amor.

O tempo passa mais veloz do que imaginamos e os momentos da vida que marcam sinalizam decisões e ações futuras. Numa tarde de verão, num momento furtivo e jocoso, brinco com os cabelos dessa menina e retiro deles um palito que os prendia a uma pregadeira. CATAPLOFT! Pregadeira se transforma em duas. Brincadeira de mau gosto. Meu coração parece que quebrava junto!

A minha reação foi um mix de vergonha, raiva de mim mesmo, susto e medo do que eu iria ouvir. Pra que eu fui mexer no cabelo da menina?

A reação dela, hoje sei, foi a primeira semente de amor que ela plantou em meu coração. Calma e serena, passado o susto, calmamente disse que não deveria me preocupar. Essas coisas acontecem…argumentou ela, singela. Como é possível alguém ser tão bondosa?

Eu sabia que aquela pregadeira em especial não era encontrada em qualquer lugar. Soube ainda posteriormente que ela tinha economizado um dinheirinho com algum sacrifício para comprar. Que dó! Que dó! Que dó! E ela nem fez questão, calma, serena, tranquila…linda…

No dia seguinte, corri cedinho para o que eu encarei como um minha missão de vida – eu tinha que encontrar uma pregadeira igual e dar a ela. Missão impossível a nível “hollywoodyano”. Simplesmente não encontrei uma igual. Na época, eu só tinha uma bicicleta para me locomover e rodei uma quilometragem que daria inveja aos mais experientes atletas do gênero. Tudo para encontrar a bendita pregadeira.

Como eu disse, não encontrei igual. Nem pelo menos alguma que fosse parecida. Quer saber? Decidi comprar TRÊS. Detalhe: Cada um combinando com um vestido que ela possuía.

Quando cheguei na casa dela com as três pregadeiras, a reação dela, indescritivelmente delicada e carinhosa fertilizou a semente plantada dias atrás. Expliquei tudinho sobre a minha saga e porque havia comprado três pregadeiras. Só no meio da explicação que eu me dei conta: Como eu conhecia os vestidos dela?

Anos depois, o nosso amor estava mais do que sedimentado. A certeza de que fui premiado com uma mulher mais do que especial veio, em cada palavra, ação e sentimento sincero com os quais eu era agraciado. Aquele dia em que eu estava em casa, já desmaiado de sono – por volta das 23h – e recebia a sua visita tendo um bolo em mãos feito por ela mesma para comemorar um mês de namoro… foi incrível. Só eu sei o que ela teve que passar para fazer um ato tão simples. Desde conseguir o material, até convencer alguém para vir com ela a minha casa que ficava num lugar perigoso e escuro.

E 25 anos depois, sinto que casei ontem. Mas ao mesmo tempo parece que já estamos uma eternidade juntos. Faltam linhas para descrever você, minha amada. Obrigado por você existir, por você me escolher e por permitir que eu a tenha escolhido, minha querida esposa.

Ah, e sobre o café com leite? Uma vez, no período de nossa lua-de-mel, caminhávamos no centro do Rio de Janeiro, fim de tarde, friozinho de inverno soprando, perguntei a ela o que ela queria para comer e beber. Qualquer coisa que aquela jovem e bela mulher me pedisse seria uma ordem para eu executar com prazer. Com os seus olhos delicados e voz tímida me pede com um sorrisinho maroto: “Queria só um café com leite”. Como não me apaixonar?

TERCEIRO ATO

Dia 31 de março em fins dos anos 90. Chegava à minha vida mais uma pessoa que faria de mim nada mais do que um mero e eterno aprendiz. Reaprender a ser um protetor, um provedor, um apoiador, um professor… aprender a ser… um pai. Minha querida filha nasceu com os olhos da mãe. Como não me apaixonar novamente?

Um dos maiores prazeres que um pai pode ter – e que jamais deve abrir mão – é o de ensinar virtudes elevadas aos seus próprios filhos. E que aluna dedicada você sempre foi e é! Não somente quando você nasceu, mas quando você foi amamentada pela primeira vez no colo da sua querida mamãe, eu estava lá. Quando tomou sua primeira vacina, entrou na escolinha pela primeira vez, passou pela dor de perder seu primeiro dente, quando passou pela honra de se dedicar a Deus e batizar-se… eu estava lá. E a cada momento, me enchia de orgulho e prazer por contemplar o seu crescimento, sua coragem, sua fé.

“Esquece o medo, Esquece o medo” – dizia eu para aquela menininha, quando nos seus sete anos de idade arriscava pedalar na bicicleta sem as rodinhas. Ensinar você a andar sobre duas rodas foi um privilégio. Primeiro, dávamos várias voltas com a bike enquanto eu ficava segurando firme no guidom enquanto você pedalava hesitante e com sorriso meio que apavorado, mas confiante nas mãos do papai. Depois, minhas mãos nos seus ombros davam-lhe a sensação de segurança necessária para seguir em frente enquanto tentava se equilibrar. E, finalmente, quando somente o meu dedinho mínimo tocava as suas costas, apenas para você entender que o seu pai estaria perto de você caso você momentaneamente perdesse o recém-adquirido equilíbrio. Até que você foi. Simplesmente foi. Completamente sozinha, e confiante. Esqueceu o medo. E adquiriu a confiança que precisava para alçar voos ainda maiores.

E assim foi. Hoje você me ensina. Me ensina muito. Me ensina tanto quanto pretendo lhe ensinar. Herdou a bondade e docilidade da mãe. E continua fortalecendo e forjando sua personalidade forte, positiva e madura, cada dia mais. Aqui nesta Terra, você é o meu maior orgulho, a filha que qualquer pai sonharia em ter. Você não é um sonho. É uma doce e concreta realidade. Obrigado por ser quem você é, minha querida filha.

 

EPÍLOGO

A mulher que ama e que é amada não tem sua importância resumida num único dia. Ela constrói tudo o que é realmente importante na sua própria vida, na vida dos que a acolhem e dos que por ela são acolhidos durante todos os dias de sua vida. Seja mãe, esposa, ou filha. Um homem não passa de uma mera metade humana sem elas.

 

Imagem de Mylene2401 por Pixabay  em https://pixabay.com/pt/photos/rosa-flor-floresceu-amor-4253245/


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