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Sombras do poder

Henrique Palhares
Jul. 28 - 9 min read
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Assassinatos em Tebrade

 

Pouco depois das duas da manhã do dia 15 de Sextatíria do ano de 903 do Solar, trinta oficiais, todos mascarados, da alta nobreza do
Exército hótrio aproximaram-se da entrada principal do Palácio Magnum Real em Tebrade.
Depois de uma breve luta contra os arqueiros e espadachins reais, eles avançaram pelos amplos jardins do palácio e chegaram até as sentinelas à porta, que tentaram resistir e foram mortas. Com as chaves, os rebeldes
conspiradores entraram no saguão da recepção e seguiram para o
dormitório real, correndo pelas escadas e passagens à pé e com seus cavalos. Encontraram os
aposentos do rei protegidos por duas pesadas portas de madeira de lei e aço.
Abriram-nas à força dos braços, cavalos, aríete, machados e marretas.
Ao adentrar a antecâmara, encontraram os
ajudantes reais. Estes foram rendidos e aprisionados num dos banheiros. Em meio à densa escuridão,impassíveis, os intrusos abriram as portas dos vários aposentos até conseguirem  chegar ao apartamento real. Quando chegaram ao quarto de dormir, o rei Augro Munit e a rainha Demnia já haviam saído de lá. Contudo, um livro de poesias jazia aberto com a capa para cima na mesinha de cabeceira da rainha, um deles notou e comentou, ao passar a mão no leito conjugal real:
- A cama ainda está quente: pelo jeito, saíram há pouco. 
Após vasculharem o quarto em vão, os rebelados esquadrinharam o palácio, com tochas, espadas e lanças em punho.
Enquanto os oficiais irrompiam cômodo após cômodo, arrebentando os
armários, tapeçarias, sofás e outros possíveis esconderijos, o rei Augro e a rainha Demnia comprimiam-se no andar superior, em um minúsculo
anexo contíguo ao quarto de dormir onde as criadas da rainha passavam e
cerziam roupas. Por cerca de duas horas a busca prosseguiu. O rei, com  receio de ser encontrado nu, vestiu-se o mais silenciosamente possível com um pijama e uma
camisa de seda azul. Não queria que os inimigos o encontrassem nu. A
rainha se vestiu com uma anágua e um espartilho de seda branca.
Em várias partes da cidade, outras vítimas foram encontradas e mortas: os três irmãos da rainha e mais dois generais - um destes e um irmão da rainha eram suspeitos de também conspirar pelo trono 5 anos antes -, foram levados para uma casa da guarda próxima do palácio, onde foram
insultados, humilhados, surrados e apunhalados.
Os conspiradores também
invadiram os aposentos do primeiro-ministro, Digroni, e
do ministro da Guerra, General Bagh. Bagh resistiu bravamente e conseguiu matar dois com seu sabre:
- Venham seus covardes!!! - berrou enfurecido o veteraníssimo militar, com a arma na mão direita, toda ensanguentada, e o peito estufado também manchado de sangue.
- Morra, desgraçado!!! - um dos conspiradores grita ao arremessar uma lança que crava nas costas do general, que desaba segurando um sabre na mão esquerda e um punhal na outra mão.
Digroni teve a cabeça decepada com uma machadinha. O ministro do Tesouro Real,
Vlatinir, foi apunhalado e tido por morto, mas se recuperou
dos ferimentos. Outros ministros foram detidos e espancados e levados para as masmorras secretas no subsolo.
O leal ajudante real, Leat, que resistiu tenazmente aos seus algozes, foi literalmente arrastado pelos corredores escuros e forçado a chamar pelo casal real em cada porta. Os conspiradores
encontraram, no apartamento do ministro Bagh, uma entrada oculta atrás de um quadro gigante.
No momento em que um dos rebeldes se propôs a derrubar a falsa parede com um machado, Leat ao perceber que era inútil resistir mais, concordou em pedir ao rei que saísse dali. Ao ouvir e reconhecer a voz de Leat, o rei perguntou se poderia confiar nele:
- Sim, majestade! Os seus oficiais conseguiram expulsar os rebeldes.
- Majestade, o pior já passou conseguimos vencer os invasores. - falou um dos conspiradores mascarados com a voz mansa e olhar sinistro.
O rei e a rainha saíram abraçados e se depararam com seus algozes.
- Majestades, ou melhor, escória real do Reino da Hótria, nós os legítimos guardiões da honra de nosso amado povo, a Legião da Justiça, os sentenciamos à morte por esquartejamento por todos os crimes que cometeram contra nosso povo! - assim leu um dos oficiais mascarados.
- Aonde foi parar a vossa empáfia real, velhote?! - falou um outro e em seguida escarrou no rosto do velho ajoelhado.
- E esta aqui, a meretriz golpista? CADELAAAAA!!! - grita um terceiro e dá-lhe uma bofetada que a derruba.
- E este lacaio aqui? Não tem vergonha de ser fiel a estes sacripantas? Você é pior que eles! CRETINO!!! - um outro fala e chuta Leat.
Em seguida, foram amarrados e humilhados.
- Jamais havia matado um soberano e sua rainha. - ironiza um dos algozes.
- Nenhum de nós havíamos tido tamanha sorte! - ironiza um outro.
Risos e mais risos sarcásticos.
Os três receberam bofetadas e socos, pontapés, cusparadas, chicotadas, tiveram a pele fustigada e rasgada com as espadas e punhais... Por fim, foram esquartejados.
O velho monarca assistiu sua esposa e seu fiel ajudante morrerem.
- Deveríamos queimar este rato velho? Que acham? - falou um.
- Boa ideia! - respondeu outro com uma voz sinistra.
Um deles queimou o prisioneiro várias vezes em diferentes partes do seu corpo. Sempre de forma que ele resistisse.
O velho chorava, debatia-se e gemia amordaçado.
Por fim, também teve o mesmo infeliz destino dos seus antecessores.
- Nunca mais incomodarão, seus malditos! O inferno os espera! - comentou com desprezo o último que saiu do aposento.
Foram embora silenciosamente pela escuridão.
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Jamais houve estabilidade institucional no Reino da Hótria. As raízes dos problemas se encontravam na coexistência de famílias dinásticas rivais. As duas grandes casas reais: a família Munit e a casa Karieb, destacaram-se nas várias guerras para libertar a Hótria do controle do Império Naroniano. 

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O famoso caçador e vaqueiro "Dente de Lobo", apelido de Yruk Trot Karieb, 
fundador da Casa Karieb, liderou um levante no ano de 801 que 
expulsaram, ao preço de duríssimas penas, os naronianos da Hótria por poucos anos. Porém, "Dente de Lobo" fugira para o exílio no Reino de Marongo, em 812, quando os naronianos contratacaram e retomaram o território rebelado. Três anos se passaram, um outro levante contara com a liderança de Serul Munit, Barão de Tetre, antiga capital, e habilidoso político, que conseguira, por meio de concessões e negociatas com as autoridades naronianas, o reconhecimento do Principado Hótrio separado do Reino de Valesi. Quando Yrut Dente de Lobo retornara do exílio para a Hótria, fora enganado e preso por ordem de Serul Munit, com o apoio dos naronianos. Yrut Karieb morrera enforcado por traição, cerca de 2 anos depois.
Em seguida à prisão de seu rival político, Serul Munit fora coroado príncipe da Hótria.
A Casa Munit, assim, governou a Hótria sob a proteção do Império Naroniano. E a aliança permaneceu por sete décadas.
Contudo, os embates violentos das dinastias rivais; a estratégica localização — exposta entre
os Impérios Naroniano e o Reino de Valesi sob o forte apoio do Império Praconiano  — e uma cultura política descaradamente truculenta, dominada por grupos familiares ligados à criminalidade, foram os principais fatores que fizeram da monarquia uma instituição em pé de guerra. Simplesmente, não houvera
regente hótrio durante aquele século que tenha morrido no trono por causas naturais. Os assassinatos foram a regra sem exceção!
O Príncipe Serul Munit, fundador do Principado, já era conhecido por ser traiçoeiro e violento, foi um déspota brutal com um reinado marcado por várias rebeliões. No verão de 832, Serul foi assassinado por um grupo de rebeldes numa emboscada, durante uma viagem à cidade de Anchul, na fronteira sul, lá se concentravam vários grupos criminosos que roubavam gado.
Fora sucedido por seu filho mais velho, Molovi. O novo rei - baixo e feio - tinha a pretenção de vingar a morte de seu pai, contudo, morreu vinte e três dias depois, flechado no pescoço, aliás, todos os oficiais que o acompanhavam ao cerco de Anchul, tiveram o mesmo destino: a morte.
O reinado do filho mais novo, Trioph, encerrara-se quando ele foi assassinado após uma rebelião liderada por seu primo Sadino, sobrinho de Serul, em 847, na qual, momentos antes de Trioph perecer amarrado a uma grande roda de carroça, recebera de Sadino uma triste e revoltante notícia:
- Agora majestade vou te contar um pequeno segredo: eu e meu pai, Teosomi - o Duque de Anchul - lideramos os levantes no quais Serul e Molovi morreram!Sinto te dizer isso, querido primo, mas estávamos cansados da bestialidade de Serul, depois Molovi e agora tu! Segue para a fogueira de Hades! RÁ-RÁ-RÁ-RÁAAAAA!!!!
O rei o olhara perplexo e bufando de ódio. Jamais imaginara aquilo.
E a grande roda fora empurrada do alto do penhasco...


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