Se eu morrer amanhã
Não enterrem a outra
Me enterrem
ME ENTERREM!
É o meu último pedido
Não deixem que na lápide
Um nome que não é meu
Ser escrito
Não deixem a vergonha
Que os outros tiveram do meu existir, ganhar
Se eu morrer amanhã
Me digam “Adeus”
E não “até logo”
Esperarei em minha morte
Que vocês vivam duas, três, trinta vezes mais do que eu vivi
Que vocês possam viver por mim, por vocês e pelos outros que também já partiram
Se eu morrer amanhã
Aos culpados e aqueles que já lavaram as mãos no sangue
Vocês dentre muitos
Engatilharam a arma do meu fim
Não chorem
Será tarde
Dirão: “Não fizemos nada”
Será tarde
Para essas desculpas
Que nem mesmo vocês conseguirão acreditar
Se eu morrer amanhã
Lavem com cândida a calçada onde escorreu o meu sangue
Assim teus filhos não perguntarão o que aconteceu
“Quem foi”
“Mãe, quem foi?
“Pai, quem foi?”
Lavem também entre os dedos
Lavem bem,
lavem
Pode lavar
Já que não poderão lavar a alma
E ficarei para sempre lá
Lá onde não entra água
E não tem como secar
Se eu morrer amanhã
Não vem dizer que isso é vitimismo
Que é culpa do meu ativismo
Dizendo que não existe isso de racismo e transfobia
Ah, não vem chamando de homossexualismo
Não
Não
NÃO
Se eu morrer amanhã
Não me deixe mensagens
Nem massagens
Tudo de mim
Será acabado no físico
Ficarei na memória
E não na história do Brasil
Ficarei na memória de quem me ama
Que aos poucos também vão partindo
Para quem acredita em alma
Poderei ficar nas linhas da calma
Dançando e cantando
Enquanto rezam para o meu descanso
Só que quem é que reza para o corpo trans e preto?
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