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Paixão e fé ao som das matracas e do silêncio das pessoas.

Paixão e fé ao som das matracas e do silêncio das pessoas.
Sérgio Pacheco
abr. 15 - 4 min de leitura
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Hoje é sexta-feira da paixão. Paixão e fé. “E sai o povo pelas ruas a cobrir de areia e flores as pedras do chão”, colorindo o calçamento, como diz Fernando Brant. Nas varandas, as moças com seus lençóis e colchas. Uma tradição católica.

 

A palavra “católico” vem do grego kata (junto) e holos (todo), isto é: universal, que abrange tudo e reúne a todos. Quem é católico, como eu, e já teve a oportunidade de viajar e assistir a Santa Missa, ou Celebração Eucarística, em outros países, já deve ter ficado em choque como eu fiquei. Nesses dias me aproximei ainda mais de minha identidade universal, globalizante.

 

Os rituais das celebrações são idênticos em qualquer parte do mundo católico, o mesmo evangelho do dia é lido em todas as igrejas. A mesma procissão de fé será encenada e fará o mesmo sentido, seja em italiano, inglês, espanhol ou alemão.

 

Voltando ao início da conversa, hoje é sexta-feira da paixão do Cristo, tempo da quaresma, o período litúrgico de preparação para a Páscoa. Nesse dia da semana, a tradição de não comer carne vem para “honrar” o sacrifício do senhor morto na cruz.

 

Dia de trocar o churrasco e a feijoada pelo peixe!

 

Por mais paradoxal que seja, um dos efeitos da globalização é reforçar nossas identidades culturais. Acho que, por estarmos cada vez mais perto das pessoas, conectados “on line” o tempo todo com o mundo, podemos perceber que somos desiguais.

 

A culinária portuguesa é um exemplo dessa diversidade. Por lá, a tradição de comer o bacalhau na quaresma faz parte da cultura e da gastronomia pelo menos desde o século XIV. Durável e acessível a uma parte da população que raramente podia comprar peixe fresco, seu sabor era mais agradável do que o de outros pescados salgados. Eram tempos difíceis aqueles! Hoje, o português é o maior consumidor de bacalhau do mundo. E ele, o peixe, é considerado o “fiel amigo”. O bacalhau verdadeiro é largo e alto, com lombos bem grossos. A cor de seu corpo é puramente branca. Receitas para deliciar não faltam.

 

Herdamos muito a tradição portuguesa: a religiosidade, a culinária. Mas a nossa identidade cultural tem lá sua complexidade.

 

Quando pequeno, lá em casa, lembro que seguíamos um pouco os rituais da quaresma. A sexta-feira começava com a mãe pedindo silêncio. Não era permitido ficar correndo, jogar bola, ficar rindo demais. Nem a casa podia ter faxina naquele dia!

 

Para o almoço, a mãe se esforçava e dava um jeito de buscar a sardinha, o peixe que dava no orçamento, nosso “fiel amigo”. A gente a comia bem frita, com espinha e tudo! Se engasgasse, a mãe enchia a boca da gente com farinha de mandioca! Todos vão bem, obrigado. Mas a saudade que sentimos da mãe é enorme. Chega a doer.

 

À noite tinha a procissão do senhor morto. O som das matracas e o silêncio das pessoas. E com um pano, desciam da cruz a estátua do Cristo desnudo. Tinha gente que era só lagrimas. Aí o padre falava em céu e inferno e aquilo metia muito medo na gente. Acabava tudo e corríamos para casa segurando com força a mão da nossa mãe.

 

Hoje relembro as cenas. Elas mobilizavam aspectos da nossa cultura regional, notadamente a nossa religiosidade católica, mineira, de modo a representar traços de uma identidade cultural.

 

“Velejar, velejei. No mar do Senhor. Lá eu vi a fé e a paixão. Lá eu vi a agonia da barca dos homens.”

 

 

 


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