No início, era a ordem. Plena, total, soberana, sóbria. Havia consciência, mas não havia o que ver. Era tudo, nada mais havia que não fosse.
Queria saber como era ver.
- Você sabe que vai sofrer.
- Sei. E quero ainda assim.
- Vai sentir coisas que nem imagina. Vai se sentir só. Vai ter dificuldade em falar até consigo mesmo.
- É não saber o que o outro quer dizer.
- Outro?
- É. O que não é você.
- Mas eu sou tudo.
- Mas não vai mais ser.
- Como assim?
- Vai ser uma coisa de cada vez, só que ao mesmo tempo.
- E assim, a solidão passa?
- Não. Quer dizer... Sim. Mas não.
- Eu preciso saber.
- Você não vai ser capaz entender o que cada você pensa. Vai haver conflitos. Guerras, dor, descaso. Mal entendidos.
- A nossa capacidade de entender e sentir vai ser fracionada em incontáveis partes.
- E no fim das contas, cada parte é sozinha.
- Mesmo que existam outras.
- É sozinha em si, porque não é capaz de entender, de se conectar, com as outras, pelo menos não completamente.
- Na verdade, nem consigo às vezes.
- É.
- ...
- ... é.
- É isso.
- É isso então.
- Você vai?
- Nós vamos.
- Mesmo com a dor?
- Mesmo.
- Mesmo com a ignorância?
- É ela que quero. Quero ser ignorante o suficiente para não sentir solidão, não ser capaz de perceber que sou um todo sozinho, para viver na fantasia de poder saná-la com uma outra pequena fração de eu.
- Você sabe que é apenas uma fantasia.
- Nós sabemos. Mas é o que eu tenho.
- E o despropósito?
- Não muda, mas assombrará ao invés de apenas existir.
(...)
- E o tédio?
- Esse talvez mude. Mas até que se perceba o despropósito, novamente.
- Nós vamos.