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Malaquias está lá fora, no portão!

Malaquias está lá fora, no portão!
Sérgio Pacheco
May. 3 - 5 min read
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Era mais um dia como outro qualquer na rotina da família. Foi quando o filho mais novo chamou a atenção do pai, o Joel, para as imagens da câmera de segurança e para a presença de um senhor idoso lá no portão.

 

O terreno da casa era grande, quase uma chácara. A casa ficava afastada da entrada cerca de cinquenta metros.

 

Quem seria aquele idoso parado ali, olhando para dentro da casa? Seria alguém solicitando informação? Ele não tocou o interfone, não bateu palmas, nem pronunciava nada. Apenas ficava mirando para a casa pelo espaço vazado do portão.

 

Seria um pedinte? Mas ele não dizia nada, estava de mãos vazias e bem vestido, sem sinais de estar largado na vida.

 

Quem sabe seria uma situação de perigo, talvez um ladrão disfarçado, ou uma isca para que outro ladrão pudesse entrar?

 

A violência nos dias de hoje está pela hora da morte, faz a gente desconfiar de tudo e de todos. Deus nos livre! E em matéria de fantasiar coisa ruim, o céu é o limite!

 

Na dúvida, não valia a pena arriscar ir até o portão. Melhor seria aguardar, deixar o senhorzinho fazer o próximo movimento, tocar o interfone, pedir ajuda, se for o caso. Assim poderia entender o que estava ocorrendo, sem correr riscos.

 

Mas os minutos foram passando e nada acontecia. A situação já tinha virado um constrangimento. Parado o homem estava, parado continuou. O rosto indecifrável pelas câmeras, os olhos fixos para o portão.

 

Nesse momento, dentro de casa, os meninos já estavam distraídos com outras coisas. Mas o Joel cauteloso não largava o olho do monitor, acompanhando os passos do velho nas imagens da câmera de entrada.

 

O que dizer para aquele senhor parado, no lado de fora do portão?

 

Algum tempo se passou e o Joel tomou a iniciativa. Foi lá ver o que o idoso queria. No caminho até o portão já foi lembrando dos seus velhos. O seu pai já havia falecido e sua mãe ainda vivia. Foi dando, então, aquela sensação de culpa. Afinal estava pré-julgando uma situação. E se o idoso estivesse precisando de ajuda? E se fossem seus pais, será que gostaria que uma outra pessoa os tratasse da mesma forma, caso estivessem perdidos?

 

- Eita mundo cão! Que Deus me perdoe! Pensava o Joel enquanto abria o portão. Agora o coração estava escancarado de compaixão. Com certeza tinha demorado muito para ter piedade.

 

Foi chegar mais perto e logo perceber que se tratava de uma pessoa desorientada, que precisava de ajuda.

 

Perguntou ao velho o seu nome, se estava tudo bem, se precisava de alguma coisa. Mas o senhor não soube dizer coisa com coisa. Foi falando que lá na sua casa a mulher cozinhava muito bem, que saiu para trabalhar naquele dia e que o serviço era muito pesado.

 

Falava de memórias distantes, evidentemente confusas. Visivelmente estava desorientado no tempo e no espaço. Não precisava ser especialista para entender que o senhor não era bom das ideias.

 

Sim, ele possivelmente era um portador da doença de Alzheimer, uma doença neurodegenerativa e progressiva caracterizada por deterioração global das funções de pensamento do cérebro. E pelo que parecia, a moléstia do senhorzinho estava em estágio avançado. E foi logo o Joel tratando de buscar uma cadeira para o velho se assentar e água para ele beber.

 

Antes que acionasse os órgãos públicos de segurança, foi chegando um veículo e parou próxima à residência. Eram funcionários de uma “casa de repouso” localizada próximo dali. Eles estavam à procura de um paciente, que teria “fugido” naquela manhã. Após se identificarem, disseram que o idoso se chamava Malaquias, que teria aberto um buraco na cerca e evadiu-se do lugar, e que isso era recorrente. Ele teria ficado parado ali por achar que o portão da casa parecia com o portão da clínica, queria voltar.

 

Dias depois, Joel não se surpreendeu com a manchete dos jornais locais. A tal “casa de repouso”, onde viviam 28 idosos, foi interditada após uma denúncia anônima de maus-tratos. De acordo com a Prefeitura, mais de 20 irregularidades foram encontradas no local, entre elas: insalubridade, infiltração e avarias no telhado, que estava em tempo de despencar. Os idosos teriam relatado ainda a alimentação precária, a falta de higiene e assistência médica.

 

Após a interdição parcial do local, as autoridades informaram que a responsável pela “casa de repouso” teria até dois dias para realocar os 28 residentes.

 

Indignado, o Joel foi até o asilo ver a situação daquele velho senhor que um dia esteve na sua porta. Na verdade, ao parar ali, naquele dia, clamava por socorro. Queria mesmo é solicitar ajuda.

 

Foi então que viu sair num carro oficial o “Seu Malaquias”, levando suas malas. Ele olhou nos olhos do Joel, esboçou um sorriso e levantou a mão, despedindo-se. Questionados, os homens disseram que estavam levando o velho para outro “repouso”.

 


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