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MAIS UM DIA

Katia Limma
Dec. 4 - 5 min read
020


Ao acordar, ela olha para a janela e dá um suspiro leve e pensa:“Graças a Deus amanheci junto com o dia” . Menos mal, passou pela noite.
Tem um dia agitado pela frente, tem tantas obrigações a fazer que a faz ficar desanimada.
Obrigações, sempre obrigações. Aprende-se desde pequena que tem que ter obrigações. E se cresce assim seguindo, fazendo o que tem de fazer, gostando ou não.
“Obrigações”- pensa ela. Tem que fazer não existe outro jeito.
Levanta-se lentamente, não quer começar tão rápido assim as suas obrigações.
Precisa sair hoje, ela não gostaria, mas precisa. Precisa enfrentar o mundo hoje, fazer coisas que pessoas normais fazem: pagar contas em banco, fazer compras em um supermercado, apanhar as crianças na escola.
Mas ela não é mais normal como as demais pessoas. Prefere a solidão, o isolamento, o não contato com outro humano e não frequentar lugares onde se aglomeram pessoas, “Meu Deus! É pavoroso demais!” grita olhando para o gato enquanto começa a se arrumar para sair.
Chega ao banco, cheio. A fila grande, mas dá para enfrentar. Enquanto espera observa as pessoas em sua volta. Todas impacientes como ela, mas são mais tolerantes do que ela. Aguentam caladas a demora, aguentam caladas o calor que faz ali.
As pessoas aguentam coisas demais. E por quê? Porque é da natureza de alguns não se incomodar com o que acontece ao seu redor. Não se importam com nada. É mais fácil levar a vida aguentando as pequenas e grandes coisas que acontecem. Talvez sejam eles que estejam certos. Devemos concordar com tudo com que nos acontece, de bom e de ruim. Ficar feliz por uma coisa boa que nos aconteceu e aguentar o que de ruim nos apareceu.
Ela pensa nessas coisas enquanto a fila anda. Ela não aguenta mais nada. Seu pote já encheu, mas não transbordou ainda. Talvez ainda seja capaz de aguentar mais um esbarrão aqui outro ali. Um machucado que não vai se curar logo. Dá para aguentar. Até quando?
Chega a sua vez no caixa e entrega as suas contas e enquanto ele faz os cálculos, ela o observa e pensa o quanto ele aguenta ficar ali sentado durante horas, tendo de fazer, e refazer cálculos sem parar. Sua mão não doi de tanto bater naquelas teclinhas do computador? Ter que aquentar o calor, o barulho, alguém sempre pedindo uma informação atrapalhando a sua concentração? Aguentar, talvez, a dúvida se vai ser demitido se não cumprir as obrigações que lhe foram impostas pelo banco?
“Caramba!”Ela fala,sem querer. Ele a olha, mas não diz nada. Só olha e volta para a tela do computador.
Ela recebe os recibos e sai pedindo licença por entre aquelas pessoas que ficam paradas diante da porta de saída. “Quero sair logo daqui”. “Preciso de ar”.
Já agora do lado de fora, ela respira aliviada, acende um cigarro e vai andando devagar em direção ao seu carro. Ele é um porto seguro para ela, mas naquele momento ela não se sente tão fragilizada para ir correndo até ele. Quer ir andando devagar para degustar aquele breve momento dentro do banco.
Tantas pessoas, cada qual com um problema para resolver. Alguns com problema seriíssimo para resolver, mas ela só tinha que pagar algumas contas.
Seu sofrimento naquele momento não é maior do que o do caixa, do rapaz que estava carregando um maço de papeis, nem do senhor que esperava falar com gerente, nem do guarda que fica meio que escondido dentro da cabine.
Não, o seu problema é mais existencial do que material. O gerente não poderá socorrê-la. Voltar para casa correndo também não vai adiantar.
Por alguns instantes deixou de se dar importância e descobriu que outros problemas têm a sua relevância. Ela não estava sozinha no mundo e seus problemas não eram nada diante do mundo. Que fosse devagar então. Por que tanta pressa?
As suas contas agora estão em dia, mas a sua vida interna, não. Mas hoje não vai pensar nisso. Conseguiu fazer uma coisa que para outras pessoas é totalmente normal, mas ela não é como as outras pessoas. Tem medos, tem raiva excessiva, tem um silêncio perturbador. Mas por hora está relaxada, cumpriu sua obrigação de forma calma, passiva, sem derrubar muros e nem dá chutes em nada.
 

 

 


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