Não posso colocar-me na pele de uma traça.
Mas esta que tenho a esvoaçar pela casa vai para mais de uma semana,
está certamente a passar a pior fase de sua vida.
A minha gata deu com ela, e já não lhe larga o rasto.
Já não bastava à traça ter estado detida entre quatro paredes um terço da sua existência.
Agora, quando quem sabe já tinha aceite os limites aos quais estava confinada,
é-lhe imposto um voo continuo, sob pena de ser devorada por uma ameaça cujas formas ela desconhece.
O que eu vejo de onde estou,
confinado no meu corpo, é uma brincadeira não assumida pela minha querida gata.
Quem não pode ficar a saber da brincadeira, é a traça.
Assim acabava a brincadeira.
E é por isso também, que a gata quando deita a pata à traça, liberta-a imediatamente.
A traça volta a esvoaçar, em trajectórias imprevisíveis, mudanças de direcção inesperadas, num jogo de aproximação e afastamento.
Será um jogo para a traça?
Vamos ver um exemplo. Não. Tarde demais. Ela já a apanhou. A brincadeira acabou.
Daqui de onde estou, parecem os dois satisfeitos.
A traça, ou parte dela, mais até que a gata, que agora parece ter ficado com um mal estar na boca.
Vai passar. Vamos ficar todos bem, até porque nos cemitérios não se ouvem gemidos de mal estar.
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