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Ícaro (sonhar é para os pássaros)

Ícaro (sonhar é para os pássaros)
Renato de Mattos Motta
Jul. 27 - 3 min read
010

 

construção

longo tempo de preparo

recolhendo material

penas (que pássaros não faltam)

cera varas fibras e resinas

 

o pai cria

constrói

ensina a construir

com paz e ciência

liberdade

fim da tortuosa prisão

 

Dédalo

o pluriengenhoso artesão

Dédalo

dos dedos hábeis

Dédalo

inventor de espantos

 

 

voo

voam duas aves nunca vistas

estranhas

só as asas emplumadas

são aves porque voam

e ave é o que com ave se parece

maiores que qualquer que se conhece

são aves porque só as aves voam

 

as asas não pertencem a seus corpos

sobre os corpos só há pele e poucos pelos

as penas sobre as asas são de ave

o esqueleto que as conforma é vegetal

o que se vê voar não são aves de fato

mas homens com algum tipo de artefato

 

são mãos que construíram

são braços que que impulsionam

um já é velho e outo bem jovem

são homens mas estão livres do chão

 

o velho voa pouco

voa baixo

mais plana do que agita suas asas

sobrevoa o mar direto à praia

onde pousa (quase cai) em segurança

 

o garoto é alegria e liberdade

desliza entre ventos

parceiro de pássaros

canta puro encanto

um canto de emoção

canto daquele que voando

se libertou da prisão

 

se eleva a uma altura imponderável

o que busca tão alto aquele jovem?

tocar as nuvens?

beijar o sol?

só sabe-se que sobe

sobe sempre sobe até

que as asas se desfazem

então cai

 

 

visão

o pastor apascenta suas ovelhas

cuida que não saiam da sua vista

que não haja predador ou peçonhento

que ameace o seu ganho com o rebanho

 

o pescador cuida de pegar peixes

em silêncio confere suas esperas

paciência e atenção na ação precisa

de puxar quando belisca

firme e calmo

 

o lavrador empurra seu arado

pelo terreno que será semeado

em sulcos se abre a terra umedecida

receptiva e fértil para a vida

 

verificando o velame

e a viração dos ventos

o marinheiro assegura

sua vida e seu sustento

 

tocando o dia a dia a cada dia

enredando a rotina quotidiana

revivem outra vez sempre de novo

a vida que viveram seus avós

 

é com espanto que então

ouvem a voz que entoa

uma canção conhecida

que parte do impossível

 

quem quer que cante este canto

canta lá muito do alto

do céu acima do mar

de onde se vê uma ave

que é um menino a voar

 

mas as asas se desplumam

viram só galhos e penas

e o jovem se precipita

para o fundo em alto mar

 

olhares que eram para o espanto

agora olham de lado

atentos aos cuidados quotidianos

o oceano afogou todo o delírio

provou-se que o sonhar não é pros homens

 

o pastor já volta ao pastoreio

também o lavrador só vê a terra

das velas se o cupa o marinheiro

de escamas anzóis e linhas o pescador

 

sonhar é perigoso para os homens

afaste-se do sonho a juventude

de sonhos não se ocupem os mortais

sonhar é pra quem dorme

ou para os mortos

 

 

epístola psicografada

não chora pai porque caí

a queda foi o preço

do presente

maior que a vida

asas

presente que é pura liberdade

além dos muros

além do mar

além do chão

se meu voo

foi além do limite dessas asas

é que o sonho superou a realidade

e hoje sou sem corpo

sou só sonho

e voo libertado da matéria

num corpo que é sem peso

que é só brisa

não chora pai porque caí

se o teu legado é o sonho de voar

não seja o meu o medo de sonhar

 

Renato de Mattos Motta

20/02/2016

 


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