Me engulo
Estaciono na tireoide
A mão me estrangula
A glândula se espreme contra à traqueia
Os olhos saltam
Há sangue acima do indicador e abaixo do mindinho e o oxigênio não sobe mais ao cérebro
Perco conexão
Parada e espremida no istmo
Com muito esforço me desloco ao lobo direito
Encontro ali quatro tumores não cancerígenos
Que acompanho por ultrassom há nove anos
Rasgo a parede epitelial de um deles
Entro no nódulo desprovido de veia central
Descubro uma engrenagem de comer palavras
Algumas em completa decomposição
Há corpos residuais que não identifico, nem sei do que se trata
Vejo parte de um E
A perna de um R talvez?
D i s p o n i b i l i d a d e
Tragada ao vivo e a cores pelo Lisossoma
Sei que sensação corporifica esta palavra
Triste, resolvo sair dali
Não há mais nada que eu posso fazer.
Com um pouco mais de mobilidade
Tomo coragem e me dirijo ao maior dos nódulos
Furo a superfície amarela e gordurosa com nojo
Tenho sobre mim respingos gosmentos feito um sêmen podre
Ali, uma fábrica de palavras para dar o bote
Retículo Endoplasmático sintetiza e produz como louco
Sacola Sacola Sacola
Apesar da inofensiva aparência
Sei bem que contexto a repetição habita
Dali saio e continuo de acordo
Vou à parece ser a mais antiga de todas
Minúscula e acelerada
Só os olhos cabem ali
Nada de anormal não fosse a síntese de um Centríolo falho
Que vez ou outra produz
p r a v a l a s
Misturadas em seu núcleo dislexo
Nada que minha mãe já não tenha lido
Me esquivo num ambiente cada vez mais frouxo
Próximo às cordas vocais
O último dos nódulos excreta falsos homófonos
R o m e - H o m e - R o m e
O tumor é do inglês
— Mal pronunciado, dirão!
E Golgi responde
— É preciso mesmo produzir mais erre para dizer Rrrrome ou RRRRome? Há tanto o que fazer e estou cansado.
EU ESTOU CANSADA!
Volto ao istmo
Parece desanuviado
Abro os olhos
Tenho respiração livre
Tenho garganta livre
Se foi a mão que me sufocava
Às palavras que faltaram, às que sobraram, às cambaleantes e às mal pronunciadas - aparto!
Fecho engenhos, fábricas e engrenagens.
Amanda Fernandes
Da série “O corpo como via”
Brasília, 03~11 de julho de 2020
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