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Garganta

Garganta
Amanda Fernandes
ago. 20 - 2 min de leitura
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Me engulo

Estaciono na tireoide

A mão me estrangula

A glândula se espreme contra à traqueia

Os olhos saltam

Há sangue acima do indicador e abaixo do mindinho e o oxigênio não sobe mais ao cérebro

 

Perco conexão

 

Parada e espremida no istmo

Com muito esforço me desloco ao lobo direito

Encontro ali quatro tumores não cancerígenos

Que acompanho por ultrassom há nove anos

 

Rasgo a parede epitelial de um deles 

Entro no nódulo desprovido de veia central

Descubro uma engrenagem de comer palavras

Algumas em completa decomposição

Há corpos residuais que não identifico, nem sei do que se trata

Vejo parte de um E

A perna de um R talvez?

D i s p o n i b i l i d a d e 

Tragada ao vivo e a cores pelo Lisossoma

Sei que sensação corporifica esta palavra 

Triste, resolvo sair dali

Não há mais nada que eu posso fazer.

 

Com um pouco mais de mobilidade
Tomo coragem e me dirijo ao maior dos nódulos
Furo a superfície amarela e gordurosa com nojo
Tenho sobre mim respingos gosmentos feito um sêmen podre

Ali, uma fábrica de palavras para dar o bote
Retículo Endoplasmático sintetiza e produz como louco 

Sacola
Sacola Sacola


Apesar da inofensiva aparência

Sei bem que contexto a repetição habita

Dali saio e continuo de acordo

 

Vou à parece ser a mais antiga de todas

Minúscula e acelerada

Só os olhos cabem ali

Nada de anormal não fosse a síntese de um Centríolo falho

Que vez ou outra produz  

p r a v a l a s   

Misturadas em seu núcleo dislexo

Nada que minha mãe já não tenha lido

 

Me esquivo num ambiente cada vez mais frouxo

Próximo às cordas vocais

O último dos nódulos excreta falsos homófonos

R o m e - H o m e - R o m e

O tumor é do inglês 

—  Mal pronunciado, dirão! 

E Golgi responde 

—  É preciso mesmo produzir mais erre para dizer Rrrrome ou RRRRome? Há tanto o que fazer e estou cansado.

EU ESTOU CANSADA! 

 

Volto ao istmo
Parece desanuviado

Abro os olhos

Tenho respiração livre

Tenho garganta livre

Se foi a mão que me sufocava 

Às palavras que faltaram, às que sobraram, às cambaleantes e às mal pronunciadas - aparto! 

Fecho engenhos, fábricas e engrenagens.


 

Amanda Fernandes

Da série “O corpo como via”

Brasília, 03~11 de julho de 2020

#Poesia #Concurso #Eternizarte,

 


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