Você procura por
  • em Publicações
  • em Grupos
  • em Usuários
BACK

Folha ao Vento

Folha ao Vento
Filipe Cristino
Sep. 25 - 6 min read
000

A cada segundo que atravessa a minha existência, nesse pequeno infinito mundo que chamo vida, sou inundado por incontáveis sensações de uma iminência de felicidade que não se revelam de cara limpa, mas que se apresentam em forma de promessa reticente, numa espécie de antecipação do que talvez virá, porém que não se assegura de seu acontecer. A constância desse evento persistente, que se repete de diferentes modos e com diferentes anseios, faz de mim uma criatura expectante, insegura, incerta, insaciante. Um ser que deseja pelo cumprimento de uma taumaturgia que se conhece apenas os contornos escondidos por detrás da cortina do desconhecido, mas que se credita pelo germe da sensação que se anuncia em voz inaudita, tão forte e profunda que provocam em minhas entranhas uma angustia prazerosa: a impressão de que o agora e o seu concreto são pequenos, incompletos; e que, futuramente, de modo que não sei dizer, serei surpreendido pelo novo, infinito, imprevisível, indominável já presente nesse presente, de modo a significar, a sustentar e a enriquecer o que se passa diante de meus olhos tão néscios. Entristeço-me e me envergonho-me de minha indignidade e imperfeição e volatilidade; aprazo-me da graça em que me fio, devoto-me, asseguro-me na esperança de redenção surpreendente, que roubará de mim a minha ausência de clareza, infundindo em meu nada a virtude da perseverança num itinerário de fidelidade às escuras.

No fim das contas, trata-se de uma estrada rumo à uma convocação. Mas qual? Se não conheço a sua forma e sua matéria? Tenho medo de estar errado em minha conclusão, medo de não ser honesto o suficiente em meu responder, em meu discernimento, por ter alterado e manipulado de alguma forma os clamores de meu peito, a fim de orquestrar as forças da história de meu destino para dizerem apenas o que me apraz, me consola e me convém. Tenho medo, por pura covardia, admito. Medo de viver numa mentira crente e obstinada. Mas como me averiguar de minha condição de honestidade? Não sei como. Sinto-me como uma tempestade e um grande caos de orientações de vontade e de identidade. Sou um garoto perdido em um labirinto, com medo de perder até mesmo a referência de um pedaço de tijolo com o qual me confronto em minha paralisia diante do muro.

Queria apenas saber o que quero. Queria apenas querer o que a fé comum quer e nela confiar e amar, como uma mãe que já ama a sua criança só pela notícia de uma gestação iniciada, ainda que a sensação física da presença do novo ser não tenha passado pela impressão da corporeidade, habitando apenas no calor da alma, que, sem pretensão de precisão, chamamos de amor. Isso não tenho. Tenho apenas um vazio em meu peito, que rezo aos céus que seja preenchido pela argamassa presente naquilo que me foi passado pelo testemunho alheio e que se clama em minha razão, mas não penetra na porta do âmago existencial do meu ser pessoa, daquela área que dá aos justos e aos santos a sua integridade, seu brio, sua certeza. Eu, por outro lado, apegado ao testemunho que estimo, jogo nesse arranjo de projeto de vida de fé o meu dinamismo desprovido de carne ao modo de aliviar-me e convencer-me de que essa proposta diz respeito a mim. Agarro desesperado essa fé e grito: “É nisso que creio! Darei a vida pela Verdade mor e pelo amor de sua mensagem e do mistério que a centra!”. Entretanto, uma voz de suspeita maliciosa e perversa me emenda: “Sabes que não é o que crês invariavelmente de fato”, “Duvidas do teu acreditar, duvidas do teu seguimento, duvidas de tua sinceridade e acatamento.” Olho para mim, ao escutar, vejo a crueza de meu seu ser, ponho-me a chorar. Rezo, mesmo sem acreditar. Peço para crer não crendo, esperando que uma esperança invada-me e dê a mim o que me falta; que me mostre quem sou e para o quê a angustia com o qual me ocupo e me resolvo me preparará e me aproximará, na torcida de que este quê seja real, seja existente, que não seja ilusão, não seja um nada. Afinal, de nada estou já farto, e não quero ao nada adentrar-me, pois seria um terrível aperceber-me que o meu caminhar seria apenas um retorno ao que sou.

Por outro lado, receio também cair numa armadilha ardilosa, numa tentação que pretende atrair-me àquilo do qual fujo, maquiando a minha sinceridade como engano. Poderia ser uma parte minha mais inclinada ao não firmamento de decisão, ansiosa em novidade que, no sorrateiro de seu agir, cria confusão no ordenamento de meu amadurecimento simplesmente para dar vazão aos seus desejos incontinentes. Mesmo assim, perguntas me despertam o desconforto: o quanto de mim essa parte me diz respeito? Sou mais eu o meu consciente vigilante e ascético, preocupado com o fazer o que é entendido como certo na ordem da compreensão e da lógica, ou o eu que toda a ordem de certezas e propósitos claros interroga e julga na justificativa de emancipar-se da hipocrisia? Sou ambas a um só tempo? Sou ambas em diferentes momentos? Sou ambas em proporções desiguais? Ou não meço quem sou diante da aporia de faces de mim? As respostas são muitas e dependem da disposição de ânimo, do encantamento, ou da indisposição. Resposta única e permanente parece não haver, apenas fluição tensionada no exercício da disciplina que forço e sofro em manter, apesar de me escapar não poucas vezes do que era planejado o acontecimento que veio a fazer-se fato. Assim, torno-me um companheiro da frustração e absorvo a condição volúvel que persiste em permanecer como qualidade do arbítrio que convenço-me reger. Mas que, na verdade, o que apenas acontece é que a única certeza que aqui está a existir é a certeza de certeza não haver.


Report publication
    000

    Recomended for you