A grande São Paulo parou
(ou quase),
Paris não é mais
a cidade do amor
e, na Disney, os sonhos
não se tornam realidade.
Porque o novo inimigo chegou,
um inimigo sem rosto,
nem cheiro,
nem som
e muito menos aviso.
Um inimigo silencioso,
que viaja pelo ar,
como folha solta no outono,
que se passa pelo toque,
como no abraço de amor de namorados,
que não fala,
como aqueles que têm medo.
Mas agora todos tememos,
os trabalhadores,
os operários,
os professores,
os alunos,
os padeiros,
os idosos,
os adultos,
as crianças
e os poetas,
que são um pouco de tudo.
Mas eu não sou poeta,
sou apenas uma mulher.
E, por isso, temo mais ainda,
porque, pela primeira vez,
tenho um inimigo
do qual a poesia
não pode me salvar.
E eu sinto saudade.
Sinto saudade de sorrisos
que não eram escondidos
por máscaras.
Sinto saudade de mãos dadas,
palmas tocando, dedos entrelaçados.
Sinto saudade de perfume
doce, amadeirado, floral,
qualquer um
que não cheire a álcool.
E, na quarentena,
sofremos nós,
aqueles que amam,
que sentem
e que esperam,
mas cansamos de esperar,
porque dois meses carregam
60 dias que carregam
1440 horas que carregam
um sentimento danado de
“já acabou?”
Todas as noites,
antes de dormir,
antes de dar boa noite,
tenho certeza que
as estrelas recebem
milhares de pedidos
para que tudo isso passe,
para que tudo isso seja
só uma alucinação,
um pesadelo
ou uma pegadinha.
E eu nunca tive tanta pena
desses pontos luminosos
que divertiam
minhas madrugadas,
porque, agora,
nem uma estrela cadente
poderia nos salvar.
E agora estamos assim
trancados em casa
sem motivos para sair
porque o inimigo
não perde tempo
nem oportunidade.
Estamos assim
praticando uma solidão coletiva
que não tem fim,
cor
E nem é tão coletiva assim,
porque sentimos falta,
uma falta que dói muito,
como o primeiro ralado
quando se aprende
a andar de bicicleta,
mas que logo depois vale a pena,
porque se consegue
pedalar sozinho.
Agora só esperamos
que o período
de capacetes e joelheiras
passe logo,
porque temos sede de pedalar,
de dar as mãos
e de olhar nos olhos.
10 de maio de 2020