Um dia me disseram que meu corpo é templo.
Templo de um deus que não reconheço. Disseram que em um livro, há muito
tempo escrito, está determinado que assim como esse tal deus é a cabeça que
guia o corpo de uma tal igreja, algum homem por aí um dia será a cabeça que guiará o meu corpo.
Me disseram que não posso ser guiada por minha própria cabeça. Disseram que antes de mim, outra deixou levar-se pelas palavras da serpente. E depois dela, nenhuma mulher pôde escolher, para não correr o mesmo risco. Nós não
somos confiáveis, disseram. Em um dia me dizem que sangro como um castigo herdado, daquela que desobedeceu a ordem de seguir na ignorância, e que teve sede de conhecimento. Em outro, me dizem que sangro como uma dádiva, e que com tal dádiva irei gerar herdeiros para algum homem, um dia. Um presente dado por esse deus.
Eles cobrem meu corpo em momentos que desejo deixa-lo a mostra. E despem minhas vestes quando quero me esconder... Ainda ouço a serpente. Ela sussurra em meus ouvidos, como sussurrava nos ouvidos dela. Ela diz a todo momento que devo correr para a liberdade. As vezes me pego rezando... Hábito que odeio, confesso. As vezes me dou conta que passei um longo momento de olhos fechados,
pedindo... para um deus que não reconheço, que abra caminho em meus pensamentos e decida como devo seguir meu caminho. Me pego pedindo... para alguém que não reconheço, que decida por onde devo seguir meu
caminho. Me pego pedindo... para um homem que não reconheço, que decida
por onde devo seguir meu caminho. As vezes me pego gozando... Ao sentir o toque e a temperatura em meu interior. Me sinto rio, correndo na mata e nos montes. Me sinto pecado.
Me sinto desejo e repetição, me sinto oração... Me sinto oração...
As vezes me pego pensando... Que ao gozar, eu oro... Pra algo que ainda não conheço. Alguma força dentro de mim. Que ascende e grita. Que
sussurra. Uma energia forte, vibrante. Eu não sei o que é... Mas daqui em diante, irei chama-la de Deusa.
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