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Eu sou crente

Eu sou crente
Danilo Oliveira
Oct. 16 - 4 min read
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Tenho precauções, hoje em dia, de me declarar crente em qualquer situação do cotidiano. É matéria de certos constrangimentos se assumir cristão em terras tupiniquins, sabendo que o Cristianismo - desde os seus primórdios - fora cooptado pelo explorador, aficionado pelo poder; tendo assim, mal utilizado seus princípios em favor de interesses próprios. Mas, a despeito desse mecanismo milenar, eu sou! Eu creio.

Não é coisa banal acreditar em algo. Ser crente é um exercício do espírito humano que acionamos todos os dias da vida. E ainda que, em nosso próprio projeto crer em Deus não seja parte dos planos, crer em alguma coisa é algo inescapável. 

Não é possível estar ao lado das pessoas e não acreditar em nenhuma delas. Não é saudável empreender nossos afazeres e não crer que algo servirá, apoiará, salvará alguém. Crer é uma peça fundamental se quisermos construir uma ideia de sentido vital. Mas o que envolve o acreditar? E por que precisamos tanto assim exercitar esse elemento tão essencial para nossas vidas?

Crer pressupõe duas coisas incríveis: esperar por algo como se já tivesse chegado, continuar esperando mesmo quando as coisas não chegam. Assim, antes de qualquer coisa, acreditar é um modo de estar em relação ao tempo. O crer é a matéria-prima do sonho e da esperança que nos propõe uma atitude agora para coisas que ainda não aconteceram.

É por isso que a mãe cria o filho, o artista cria o ato, o viajante realiza o trajeto. Todos já na bendita antecipação de viver o futuro agora - o filho criado e digno, a glória do aplauso e o abraço de quem lhe faltava. Mas a vida não é retilínea e antes que o filho traga orgulho, sentiremos as dores; antes do aplauso da glória, o ridículo; antes do abraço, o castigo das rotas e a turbulência dos ventos.

Quem é cristão e vive a expectação do reencontro com Deus sabe que o tempo em que estamos é tempo de dores, ridículo e castigo, mas ainda assim continuamos em uma espera ativa, sabedores de quem não estamos iludidos. Como sabemos? Porque assim como a mãe que tem nos braços uma criança indefesa já a contempla criada e feliz, o artista que burila sua obra ainda disforme já a vê em sua completude; e o viajante que prepara suas provisões e dá os primeiros passos já se alegra com o reencontro; nós também carregamos no peito os indícios da nossa fé aos nos contemplarmos um a um. 

Aquele que mentia, diz a verdade. Aquele que roubava, doa. Aquele que batia, acolhe. Aquele que feria, cura. Aquele que matava, salva. Nesses e em cada caso de transformação, sabemos que nossa espera chegou. Quando nosso coração desesperado encontra paz podemos saber que nossa espera também chegou. Mas ser crente não é estar alheio a realidade. E por isso, cada caso no mundo de alguém que mente, de alguém que rouba, de alguém que bate, fere e mata nos relembra das coisas que ainda não chegaram. Em tal momento, crer pressupõe continuar esperando, continuar esperando, continuar esperando.

Assim a crença não é um sentimento simplório, atribuído a pessoas de pouca cultura ou psicologicamente vulneráveis, apenas na tentativa de acalentar no coração uma ilusão que as fortaleça para viver neste mundo árduo. Deste sentimento o mundo todo estaria culpado, em cada série que assiste, em cada festa que frequenta, em cada substância embriagante que consome, em cada evento que toma parte para afastar a realidade da vida. O cristianismo não é um paliativo terapêutico, nem uma elaboração ilusionista. A crença é dialética ao passo que retroage sobre si mesma, esperando como se já tivesse chegado e porque não chegou, continuar esperando.

Ser crente é abraçar com força vital as antíteses. Morte e vida, prazer e a dor,  espera e chegada. Ser crente é andar por entre o tempo, agarrado ao futuro sem perder de vista o presente. Ser crente é olhar para o outro como uma promessa de chegada e partida. 

 

 


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