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Diante do espelho, longe dos problemas e do calvário

Diante do espelho, longe dos problemas e do calvário
Sérgio Pacheco
Mar. 7 - 5 min read
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Muitos pais da minha geração, tiveram o privilégio de participar da alfabetização de seus filhos lendo com eles os lendários livros da série Harry Potter, da escritora britânica J. K. Rowling. Um sucesso!

 

Na época, me lembro bem, lia os livros para minhas crianças. Imitávamos as vozes dos personagens e imaginávamos como seria sua fisionomia. Quando se lê um livro, a gente viaja no mundo da imaginação. O Rúbeo Hagrid, por exemplo, com seu timbre de voz, deveria ser barbudo, falar grosso e parecer um gigante.

 

As crianças ficavam atentas, a prestar atenção em cada detalhe da leitura da aventura do menino bruxo. Assim, cheio de fantasia, caracterizava-se a amizade dos heróis Harry, Rony e Hermione. Do outro lado, o lado do mal, o antagonismo dos vilões, representados pelos personagens do professor de poções Severo Snape e pelo vilão Lorde Voldemort, “aquele-que-não-deve-ser-nomeado”.

 

Cada filho lia um pouquinho. Aos poucos, foram tomando gosto e passaram a ler sozinhos toda a coleção. Quando foi lançado o primeiro filme, toda a família foi assistir. Como não poderia deixar de ser, saímos do cinema eufóricos, mas as crianças não pouparam as críticas. Afinal, como geralmente acontece nessas tentativas de reproduzir a estória de um bom livro em um filme, cortava-se vários pontos importantes. E, é claro, no livro, a estória sempre parece ser melhor. A nossa ideia sobre como era cada personagem era algo muito mais fantástico.

 

Uma das cenas mais intrigantes e memoráveis que relembro desses livros é o capítulo que trata da prostração do menino Harry Potter frente ao “Espelho de Ojesed”. Um objeto mágico, que aparece no livro “Harry Potter e a Pedra Filosofal”. É um espelho que não reflete a imagem da pessoa, mas sim “o desejo mais profundo de seu coração”.

 

Quando Harry encontra o espelho, se surpreende ao ver que não via apenas a si mesmo, mas também seu pai e sua mãe, que sempre quis, mas nunca conhecera. E o menino prostou na frente do espelho. Regozijando com as imagens virtuais, definhava a cada dia.

 

O espelho é uma espécie de teste ao caráter das pessoas, ele é símbolo da vaidade e do egoísmo, mas só uma pessoa desprendida pode conseguir do espelho aquilo que mais quer.

 

A salvação do nosso herói chega com a intervenção do Professor Alvo Dumbledore. O grande feiticeiro explica para Harry como funciona e o quanto era perigoso o “Espelho de Ojesed”: “- O espelho não nos dá nem o conhecimento nem a verdade. Já houve homens que morreram diante dele, fascinados pelo que viram, ou enlouqueceram sem saber se o que o espelho mostrava era real ou sequer possível.” E continuou o velho Mestre: “- Peço que não volte a procurá-lo. Não faz bem viver sonhando e se esquecer de viver.”

 

O primeiro livro sobre Harry Potter foi publicado em 1997, e lançado no Brasil em 2000, coincidentemente com a chegada do celular no País. Um outro sucesso!

 

De lá para cá as coisas mudaram muito, inclusive a educação das crianças. Pesquisadores têm alertado para os riscos da alta exposição dos pequenos às telas de equipamentos eletrônicos, como celular, computador, televisor e tablet. A questão é que o uso da “black mirror” (a tela preta do celular) se tornou muito mais que uma opção. Em alguns casos, tornou-se a única via para os pais que precisam de alternativa para a recreação da criança no momento que precisam trabalhar ou fazer atividades domésticas.

 

Os pesquisadores apontam prejuízos diversos à uma exposição excessiva das crianças às telas. Cada vez mais fica evidente a dificuldade de aprendizagem e de interação social, de criar vínculos. No mundo virtual, a criança clica e recebe o conteúdo instantaneamente. Esse bombardeio prejudica a habilidade de controlar respostas impulsivas e esperar a própria vez.

 

Nesses tempos de “autoexílio” e de trabalho remoto, causado pela pandemia do novo coronavirus, frequentemente me vem a imagem do “Espelho de Ojesed”. Explico. Sempre me pegava com aquela sensação de estar vivendo uma deliciosa ilusão. Sem o trânsito e a poluição, sem os problemas de relacionamento com os colegas “difíceis” e com os vizinhos e as assembleias de condomínio. O distanciamento pode dar na gente uma falsa sensação de que todos os problemas não existem. É realmente fascinante!

 

Prostrado diante do espelho mágico, não quero mais sair daqui! Nessa toada, definharia rapidinho diante do espelho!

 

Tudo isso me faz lembrar a história bíblica de São Pedro, o fanfarrão, no episódio da “Transfiguração de Jesus”, narrado em Mateus 17:4. “E Pedro, tomando a palavra, disse a Jesus: Senhor, bom é estarmos aqui; se desejares, farei aqui três tendas, uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias.”

 

E queria que “o mundo acabasse em barranco”, o santo rapaz! Só para morrer encostado e longe dos problemas e do calvário!

 

 


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