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Crônica - Lindo és, espelho

Crônica - Lindo és, espelho
Kalel Rodrigues
Oct. 18 - 3 min read
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  Não se importava se era apenas um reflexo. 

Ele andava em círculos, sem nada para fazer. Nada além de se vangloriar, como sempre fazia. Entrou no quarto, olhou para aquele espelho de sua altura ao lado do guarda-roupas e se encantou.  O espelho mostrava não apenas o reflexo dele, mas a obra-prima da criação. As bordas de madeira eram a moldura do quadro pintado por Deus, e ele era comparável a um anjo. Seus braços eram asas, e seus poros eram olhos. Um ser belo, racional e pensante; um ser perfeito. O fundo do quarto, também refletido, não importava: se cegava ao redor, pois o seu corpo era o centro do mundo.  

 Se despiu. Não se despiu naturalmente, rasgou suas roupas com a força dada aos serafins. Rasgou também suas vestes íntimas, que não conseguiam mais cobrir suas partes. Ficou nu, assim como Adão. Afinal, as roupas servem apenas para ocultar todo o esplendor da criação, criadas após se comer o fruto proibido, e ele era a luz. A luz não pode ser coberta: caso contrário, é apagada.  Então, se olhou pelado e beijou o espelho. Não beijou o espelho, pois aquilo é apenas um portal para o alcançar: beijou sua boca. Não um selinho, mas um beijo intenso e molhado. Lambia o vidro e babava.  Foram longos minutos com a boca colada nele, a ponto de que ficava sem ar e sentia apenas seu próprio bafo. 

Mas, beijar não era o suficiente para atingir o prazer de se relacionar consigo mesmo. Aproveitando a nudez, masturbou-se. Masturbou-se não para a pornografia, para fúteis imaginações, mas sim com o olhar. Sua mente, limpa, apenas focava no reflexo de si mesmo. E, ao ver seu reflexo também se masturbando para ele, seu prazer aumentava. Aumentava ao ponto de que não conseguia apenas ficar com o corpo parado, tinha que se envolver mais. Caiu no chão, arrancando o espelho da parede e o pôs em cima dele. Agora fazia tudo a que tinha direito, dava beijos, chupava o vidro e cravava nele sua genital com toda velocidade. Era uma besta sedenta por si, nessa cena bizarra e bela. 

Quão belo era ele. Quão perfeito era. Quão cheiroso era. Quão angelical era. Quão voraz era. E quão espelho ele era.

 E então, após ascender aos céus, parou, respirou e continuou grudado naquela mistura de fluidos de sua pequena morte. Suor, sêmen, baba e um pouco de sangue. Estava ali, abraçado a si. Dormiu e sonhou consigo. Quando acordou, seguiu sua vida. Sua magnífica vida. 


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