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BATUQUE

Alberto Arecchi
Jun. 25 - 3 min read
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Ritmo de batuque batendo no ar da noite.

Iniciou cedo. Ao sair da escola,

as meninas começaram a pular

batendo o ritmo com as mãos.

Meninas de idades diversas

sacudiam suas pernas

batendo sobre o fio da corda

que andava à roda.

Máscaras brancas de ocre no rosto,

quase fantasmas saindo

das vagas do mar.

Faziam as capulanas subir até os quadris

e batiam os pés ao ritmo dos palmos.

Aquele batuque durou horas, não sabias

se chamá-lo de dança ou de brincadeira.

As garotas se revezaram para pular na corda,

enquanto duas companheiras

estavam girando-a sempre mais rápida,

imitadas pelas irmãs mais velhas

e pelas mães, com crianças pequenas

penduradas às costas,

até por algumas avós desdentadas.

Bastavam as mãos, duas varelas,

dois pedaços de ferro

para fazer o ritmo.

A corda rodeava mais e mais rápida,

rente o chão, enquanto os pés da bailarina

mal se moviam, quase rastejando, rápidos,

e pareciam apenas levantar-se os quadris,

tremendo, com uma rápida,

quase imperceptível oscilação,

que permitia não tropeçar na medula.

Nas casas, os pilões a bater o ritmo

nos almofarizes com dura, milho e mandioca

para fazer farinha.

Aqui, também, parecia mais uma dança

que uma tarefa do dia-a-dia

da vida doméstica…

O pilão voando, as mulheres batendo as palmas,

antes de puxá-lo de volta no almofariz.

Umas mulheres, de vez em quando,

jogavam um solo.

Aceleravam o ritmo, como querendo

esmagar todo o milho da região.

A casca de milho voava

por fora do almofariz.

O pilão pulava ágil, voava para o céu,

e ficava suspenso,

enquanto a mulher batia os palmos.

Uma vez, duas, três.

As outras mulheres, também,

ao redor dela, batendo palmos.

Os jogadores de tambores

chegavam e acendiam

um fogo de paus e palha,

para aquecer as peles

e reforçar o som dos instrumentos.

Quando os tambores foram afinados e sintonizados,

jogando sons cada vez mais penetrantes,

uma multidão de crianças cercou os músicos,

dançando sem parar.

O sol estava se pondo,

os ruídos do dia davam lugar

aos murmúrios da noite.

As sombras eram mais compridas

e a luz tornava-se avermelhada.

O ritmo acalmou um pouco.

Após, como fogo de brasas,

pareceu que se recuperasse

com a brisa da noite.

Agora era o ritmo insistente

do tambor de axila,

que havia encontrado o seu tom e insistia,

em uma seqüela de batimentos frenéticos,

como quisesse acabar

com a pele do instrumento

ou com a vara de percussão.

Logo depois era o tambor grande,

batido com os palmos das mãos,

e os meninos recomeçaram

o rastreamento de pés no pó,

levantando os joelhos,

contorcendo-se inquietos sem parar.

Na noite ressoaram as vozes metálicas

das mulheres da aldeia.

Cantavam e contavam baladas

de dias passados, quando o povo

reinava sobre a terra,

antes que os brancos chegassem.

Cantavam os feitos heróicos

de reis e marinheiros,

que tinham enfrentado as hordas

de leões e as vagas do mar.

Também cantavam tristes histórias

de guerra, de morte, de emigração.

Elas cantavam todo o sofrimento do povo.

Em meu coração tocavam as vozes

guturais junto com as percussões frenéticas

e inquietantes, que enchiam a noite,

como se chegassem

desde a distância dos séculos…

era batuque.

 

#Poesia #Concurso #Eternizarte


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