Ritmo de batuque batendo no ar da noite.
Iniciou cedo. Ao sair da escola,
as meninas começaram a pular
batendo o ritmo com as mãos.
Meninas de idades diversas
sacudiam suas pernas
batendo sobre o fio da corda
que andava à roda.
Máscaras brancas de ocre no rosto,
quase fantasmas saindo
das vagas do mar.
Faziam as capulanas subir até os quadris
e batiam os pés ao ritmo dos palmos.
Aquele batuque durou horas, não sabias
se chamá-lo de dança ou de brincadeira.
As garotas se revezaram para pular na corda,
enquanto duas companheiras
estavam girando-a sempre mais rápida,
imitadas pelas irmãs mais velhas
e pelas mães, com crianças pequenas
penduradas às costas,
até por algumas avós desdentadas.
Bastavam as mãos, duas varelas,
dois pedaços de ferro
para fazer o ritmo.
A corda rodeava mais e mais rápida,
rente o chão, enquanto os pés da bailarina
mal se moviam, quase rastejando, rápidos,
e pareciam apenas levantar-se os quadris,
tremendo, com uma rápida,
quase imperceptível oscilação,
que permitia não tropeçar na medula.
Nas casas, os pilões a bater o ritmo
nos almofarizes com dura, milho e mandioca
para fazer farinha.
Aqui, também, parecia mais uma dança
que uma tarefa do dia-a-dia
da vida doméstica…
O pilão voando, as mulheres batendo as palmas,
antes de puxá-lo de volta no almofariz.
Umas mulheres, de vez em quando,
jogavam um solo.
Aceleravam o ritmo, como querendo
esmagar todo o milho da região.
A casca de milho voava
por fora do almofariz.
O pilão pulava ágil, voava para o céu,
e ficava suspenso,
enquanto a mulher batia os palmos.
Uma vez, duas, três.
As outras mulheres, também,
ao redor dela, batendo palmos.
Os jogadores de tambores
chegavam e acendiam
um fogo de paus e palha,
para aquecer as peles
e reforçar o som dos instrumentos.
Quando os tambores foram afinados e sintonizados,
jogando sons cada vez mais penetrantes,
uma multidão de crianças cercou os músicos,
dançando sem parar.
O sol estava se pondo,
os ruídos do dia davam lugar
aos murmúrios da noite.
As sombras eram mais compridas
e a luz tornava-se avermelhada.
O ritmo acalmou um pouco.
Após, como fogo de brasas,
pareceu que se recuperasse
com a brisa da noite.
Agora era o ritmo insistente
do tambor de axila,
que havia encontrado o seu tom e insistia,
em uma seqüela de batimentos frenéticos,
como quisesse acabar
com a pele do instrumento
ou com a vara de percussão.
Logo depois era o tambor grande,
batido com os palmos das mãos,
e os meninos recomeçaram
o rastreamento de pés no pó,
levantando os joelhos,
contorcendo-se inquietos sem parar.
Na noite ressoaram as vozes metálicas
das mulheres da aldeia.
Cantavam e contavam baladas
de dias passados, quando o povo
reinava sobre a terra,
antes que os brancos chegassem.
Cantavam os feitos heróicos
de reis e marinheiros,
que tinham enfrentado as hordas
de leões e as vagas do mar.
Também cantavam tristes histórias
de guerra, de morte, de emigração.
Elas cantavam todo o sofrimento do povo.
Em meu coração tocavam as vozes
guturais junto com as percussões frenéticas
e inquietantes, que enchiam a noite,
como se chegassem
desde a distância dos séculos…
era batuque.
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