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Alfredo, o cinema e as pipocas. Quem aguenta ver um longa-metragem?

Alfredo, o cinema e as pipocas. Quem aguenta ver um longa-metragem?
Sérgio Pacheco
Apr. 29 - 6 min read
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Alfredo foi ao cinema. Pela primeira vez o menino do interior teve acesso à telona. Era na quadra de futebol da escola onde a irmã mais velha estudava. Uma novidade na pacata cidade do interior de Minas.

 

O menino, então com seus dez anos, não assistiu qualquer coisa, não. Conheceu a “sétima arte” encarando de cara um clássico do Steven Spielberg: “Tubarão”. Um filme de suspense estadunidense de 1975. De tirar o fôlego!

 

Paixão à primeira vista. Dali para frente ele passou a ser frequentador assíduo de cinema. Era só chegar um filme novo e ele pedia a mãe para assistir. Com o tempo tomou gosto e autonomia. Mas não perdia mesmo eram os filmes de terror. Conheceu alguns clássicos:

 

  • Psicose (1960) – a obra-prima de Alfred Hitchcock, lembrado por uma das cenas mais tensas e icônicas de todo o cinema ocidental.
  • O Exorcista (1973) - Um dos filmes de terror mais marcantes de todos os tempos, O Exorcista de William Friedkin faz parte do imaginário de várias gerações.
  • Carrie, a Estranha (1976) - Criado a partir do romance homônimo de Stephen King, o longa-metragem dirigido por Brian De Palma é considerado um dos mais influentes do seu tempo.
  • Halloween (1978) - A Noite do Terror é um clássico incontornável do cinema “slasher”, dirigido pelo norte-americano John Carpenter.
  • O Iluminado (1980) - um clássico de terror psicológico dirigido por Stanley Kubrick é uma adaptação do romance homônimo de Stephen King, esse imortal.

 

Logo cedo, ainda moço, Alfredo tornou-se um cinéfilo inveterado e decidiu que seu primeiro emprego de verdade seria no cinema da cidade. Tratou de escrever e entregar o currículo. Esperou, esperou e um dia a vaga surgiu. Foi chamado para teste e entrevista. Confiante, foi aprovado no primeiro emprego como recepcionista e porteiro.

 

Suas funções iniciais eram receber o ingresso e vender guloseimas na bomboniere. Vestiu orgulhoso o uniforme e foi lá vender a pipoca! Ela, o alimento que sustenta a indústria cinematográfica até hoje. Mais do que um hábito entre os espectadores, o consumo de pipoca é responsável por garantir o faturamento das salas de cinema.

 

Foram três meses de experiência e, esbanjando confiança, foi promovido a "Lanterninha". Era a glória! Portava-se como um policial. Se acontecia alguma coisa fora do comum, fora das normas da empresa, lá estava o jovem Alfredo. Proibido filmar e fotografar! Muito menos casal se pegar no escurinho.

 

E vieram os filmes de ação e aventura. Agora os cinemas estavam sempre cheios. Eram tempos dos grandes booms do cinema. Os fenómenos “Harry Potter” e “O Senhor dos Anéis”. Logo a seguir veio outro fenómeno, “Homem-Aranha”, que marca o início do mercado aquecido do Universo Cinematográfico Marvel.

 

Mas os cinemas lotados também traziam seus efeitos colaterais. Agora o maior desafio eram os jovens adolescentes, sem eira nem beira, sempre prontos à aprontar com o adulto Alfredo.

 

Tinha o golpe da carteirinha, onde as meninas compravam a meia-entrada e repassavam o documento umas para as outras. A tentativa geralmente era frustrada, ele não deixava batido, exigia a compra do ingresso inteiro, se não, não entrava.

 

E havia também aquela história do garoto que fingia ser adotado pelo casal da fila, uma estratégia para conseguir entrar em filme adulto. Quando o atento Alfredo perguntava quem eram seus pais, e o casal da frente não confirmava, o menino saía correndo em disparada.

 

A história mais sinistra que o Alfredo presenciou foi o “barraco” que se formou um dia desses, numa matinê, em plena tarde da quarta-feira. É que a esposa e a filha foram assistir a um filme de romance e deram de cara com o marido e pai agarrado com a amante na sessão de cinema. Precisou do enérgico Alfredo interromper a exibição e separar a briga, com pena de ocorrer coisa pior.

 

Com o tempo o já Senhor Alfredo foi convidado para ocupar a vaga de projecionista. Na época, era somente película cinematográfica. Sua função era montar e desmontar os filmes, limpar as engrenagens da máquina, trocar as lentes. Quando acabava a energia elétrica o filme costumava avançar um pouco. Ao retornar a energia, as pessoas gritavam na plateia: - Volta, volta, o filme Seu Alfredo!

 

Vieram as modernidades, o sistema digital. A cidade foi crescendo, engolindo tudo. O cinema de rua foi perdendo espaço. Apesar dos protestos, o cinema do Alfredo virou um templo de igreja evangélica.

 

Hoje ele se aposentou. Mora em um condomínio de apartamentos, desses que tem tanta gente, que parece uma cidade. Agora o idealista Alfredo investe na ideia de montar um cineclube. Queria envolver os moradores, especialmente os mais jovens, que continuam a dar trabalho por lá. Alfredo quer oportunizar a convivência sadia de assistir juntos os filmes e contar histórias.

 

Mas ele descobriu que os desafios são outros: é que seus vizinhos se esqueceram a sensação, ou não tiveram oportunidade de sonhar na frente da telona. Alguns alegam não ter mais paciência, outros não querem perder tempo. Já os mais jovens, não tem a mínima noção do que é assistir um longa-metragem.

 

Desafios são sempre benvindos na vida do Alfredo!


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