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A TERRA

A TERRA
Luis Marcelo Santos
Oct. 30 - 15 min read
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CAPÍTULO 1: O VALE

 

Tratando-se de um tempo em que os povos que vivem sobre estas terras dispõem de tão poucos recursos para domar a natureza, é compreensível que eles nem sempre a vejam como uma mãe carinhosa. Já que ela só lhes obriga a uma dura relação de força; onde os homens ou se impõem ou se submetem aos duros termos determinados pela mata. Como, aliás, parece ser a lógica de toda a vida em geral: meramente vencer ou ser vencido. Nada mais do que isso. Ao fim, apenas uma constante luta, uma eterna competição. E que, por vezes, nos perguntamos qual seria o sentido disso tudo. Sem nunca obtermos uma resposta.

Porém, como se pode esperar que esses rústicos desbravadores vençam tal desafio, de proporções descomunais, domar esta natureza selvagem, sem terem sequer aos mínimos recursos adequados? Contando esses indígenas, por exemplo, apenas com ferramentas de pedra, de pouquíssima eficiência. Se usando de incêndios que eles não têm como controlar. Sendo tudo o que eles dispõem para abrir algum espaço onde fixar suas aldeias. É a isso que se resumem seus meios para fazer a mata dar lugar às roças que parcamente lhes alimentam.

Pois a natureza, não raro, é extremamente, dura para com o Homem que por isso, muitas vezes tem medo dela. Isso explica, por exemplo, porque também a derrubam com empenho, como se combatessem a um inimigo, para assim afastarem aos perigos que essa mata sempre oculta. Sim, isso mesmo. Eles precisam ter certa distância da vegetação selvagem para evitar ao pior dos insetos e outros animais que podem trazer doença e morte. Como também para que suas plantações não sejam “devoradas” pelo mato mais agressivo e outras pragas. 

Medo que, todavia, de tempos em tempos esses homens precisam voltar a encarar.  Isso porque sua agricultura pouco produz. Que lhes obriga a se sujeitar constantemente à oferta de animais e plantas comestíveis que nascem por conta própria. Mas que são recursos sempre insuficientes para que grandes agrupamentos coexistam ou mesmo se fixem definitivamente num único espaço. O que, consequentemente, lhes obriga a sempre alternarem suas moradias de tempos em tempos.

Pouco entendendo como dadas doenças, próprias da mata fechada e quente onde eles vivem, ocorrem. Muito menos aos caprichos da natureza que alterna momentos de estiagem e de cheias que só dificultam ainda mais sua subsistência. Fragilidades, fragilidades. Pelas quais, consequentemente, esses indígenas se obrigam a clamar, constantemente pela misericórdia de seus deuses, que, ao que parece eles nem sempre os escutam. A morte nas matas é fato constante àquele que não seja forte o suficiente para aguentar o intenso fardo que ela determina a tudo e a todos.

O rigor das florestas assim mostra bem como o ser humano é fraco. Por isso ele cria ilusões sobre ser algo muito maior do que realmente o é. Por isso ele se justifica como sendo a criação preferida de forças invisíveis, em detrimento de todos os demais seres vivos.

Entretanto, essa mesma natureza apesar de todo o seu rigor, também é justa. Oferece benesses tanto quanto impõe provações. Pois é fato que, à primeira vista, esse magnifico trecho de floresta Atlântica, localizado entre o Pico das Almas e a Enseada do Camamu[1], tanto encante como intimide a qualquer aventureiro. Pela grandiosidade e beleza deste vale repleto de rios cristalinos, solo generoso fértil (a despeito de não o saberem aproveitar satisfatoriamente) e dotado de uma variedade incalculável de frutos e outras maravilhas da natureza, capazes de bem nutrir ao que consegue bem lhes perceber.

Uma cativante beleza, ainda indomável e que, por isso, também é um inferno verde; onde o caçador pode se tornar caça num mero descuido. Onde nunca é demais frisar que a doença pode vir sorrateiramente dos mais diversos insetos ou mesmo da água. Ameaças, ao olhar despreparado, imperceptíveis antes que seja tarde demais. Que, mesmo ao aventureiro mais experiente, pode ser difícil reconhecer ao perigo sempre oculto.

Portanto aos que aceitam sobreviver sob os termos desta descomunal força que é a natureza, eles se fazem heróis. Assim como também vítimas de uma estrutura que lhes condiciona à constante competição pelos seus recursos. Que, em vista disso, não têm como serem repartidos entre todos. Principalmente porque lá, não muito depois das grandes serras, a vastidão verde logo cede lugar ao cruel semiárido, escasso em tudo que esta outra terra abunda.

Consequentemente, o extenso sertão seco se faz o destino dos mais fracos, uma vez vencidos na competição por esta limitada faixa verdejante que recobre os mares. Por isso também tantas guerras assolarem a este local tão desejado por incontáveis populações desde os tempos mais remotos. Daí porque tantos conflitos, cada vez mais sangrentos a ponto de seus habitantes chamarem toda esta área de o Vale da Dor.

Sendo que, hoje, os embates mais traumáticos se fazem entre os atuais detentores destas terras, os taxanauas; e aos que estes se referem meramente pela alcunha de tapuias. Os primeiros são uma das inúmeras tribos tupinambás que pouco a pouco dominam a maior parte dos litorais desta terra que um dia irá se chamar Brasil; já os segundos nada mais são do que os diferem destes outros. E nada mais. Apenas isso.

O que já é suficiente para um tupinambá se referir ao que não é igual a ele meramente por tapuia, palavra que em sua língua quer dizer simplesmente selvagem. Pois é! A esses soberbos tupinambás, todos, absolutamente todos, que não tem um modo de vida igual ao deles é simplesmente inferior e pronto. E por quê? Simples: porque qualquer tupinambá se acha superior a todos os demais e nada mais. Ele se vê como o padrão ideal. E usa isso como desculpa para ter mais direitos que os outros. Impõe-se em nome desta diferença que usa meramente como pretexto para submeter aos são diferentes deles.

Por isso que os tupinambás formam uma cultura que cada vez mais se espalha por todos os litorais desta gigantesca costa. Porque eles se alastram se pudores, se justificando sempre serem mais merecedores que os demais povos. Todo o tupinambá louva entusiasticamente as capacidades que exalta o serem únicas a toda a sua gente. Arrogância que, aliás, é comum aos mais variados povos em todos os lugares e tempos, crerem ser o ápice da perfeição, o modelo que todos os demais deveriam se inspirar.

_Nosso valor se deve por sermos os descendentes direitos do grande deus criador, nosso avô sagrado, por isso o chamando como o Grande Avô! _é a justificativa que qualquer tupinambá cita exaustivamente para se justificar merecer mais que as outras gentes.

Ainda que essa irmandade cultural entre as mais diversas tribos tupinambás não impeça guerras também entre elas próprias. Como é o caso dos taxanauas que além de tapuias, têm por inimigas várias tribos “irmãs”. Tais quais os caetés e a os tupinaés, dentre outras que se orgulham de seu status de tupinambás (logo, de detentores de uma cultura que julgam ser superior às demais); com quem travam guerras igualmente traumáticas.

Ou seja, há inúmeras tribos que por compartilharem mesma língua e hábitos que as fazem se entenderem como uma só família (a dos tupinambás), mas isso não impede rivalidades entre elas. Por vezes tão traumáticas como as que têm com as outras comunidades de modos totalmente diferentes dos deles. Mas quanto a isso sejamos francos: os duros termos da natureza não lhes deixam outra escolha. Não mesmo.

Novamente sendo preciso reforçar que o pouco controle sobre a natureza para que ela lhes seja mais generosa igualmente lhes obriga à guerra, repleta de perdas. Vivendo uma vida com a qual meramente se conformam, já que suas crenças, de tempos em tempos, afloram em soluções fantásticas a lhes dar a esperança de um futuro melhor.

Absurdamente impossíveis e por isso, tão sedutoras. Tão cativantes aos espíritos que querem somente crer que alguma mudança, a qualquer momento, se fará em suas existências. Sem se importarem com preço disso, como é o caso da chamada Terra onde não se morria. Um suposto território mágico onde além de serem agraciados com a imortalidade, jovialidade e saúde, eles não conheceriam mais a fome, o maior drama dos povos nômades.

Todavia, como sempre acontece a todas as promessas fantásticas das crenças religiosas, não há nenhuma indicação exata de como se chegar até esse paraíso. E para justificar essa frustração, se cria a vaga desculpa de que esse lugar mágico é acessível somente aos que se dispuserem a buscá-lo e talvez um dia venham a lhe encontrar. Talvez.

Por mais que gerações após gerações nada conseguiram, incontáveis populações tupis, nos mais diversos cantos deste verdadeiro continente, de tempos em tempos, vagam aleatoriamente pelas mais diversas direções, consequentemente se espalhando pelas mais variadas terras. Completando árduos deslocamentos na esperança de uma solução “fácil”.

Ironicamente, aliás, foi por isso que os taxanauas se estabeleceram neste Vale da Dor há umas poucas gerações. Já que com o tempo o povo se cansa dessa procura interminável e então se acomoda em algum lugar. Por lá o vivendo que até uma nova crise os levar a recomeçar tal busca fantástica, sempre seguindo a esmo até uma terra imaginária que eles nem a menor ideia como a encontrar. E assim que estes povos tupinambás, como eu já disse, vão lentamente se espalhando pelos mais diversos territórios deste vasto continente. Com isso mudando a história, onde a cultura desses se torna dominante uma boa parte deste continente, onde outros cedem sua existência a estes que então se fazem recém-chegados.

Algo demais penoso, motivado pela esperança de uma solução ao fim “fácil”, cruzarem incalculáveis distancias rumo a perigos sempre incertos, até esta terra mágica. O que leva pessoas a igualmente alimentarem outras ilusões, como um grande herói sagrado, um salvador divino. Logo, é assim que começa a saga de um bravo de nome Apoçub (Visitador de Gente) cujo nascimento, num tempo de ampla histeria por essas guerras, levou um jovem pajé a crer que essa criança seria um grande enviado dos deuses a salvar todos eles. Algo tão fantástico quanto esta terra imortal. Por isso sendo uma profecia acreditada por todos lá com arraigado afinco, enquanto aguardam que, um dia, este competente líder se mostre além do que já o enxergam.

 

 

CAPÍTULO 2: O HOMEM E O ÍDOLO

 

Por mais que, hoje, este bravo já se mostre um líder em muito especial. A ponto de ter se tornado a única escolha natural em toda a tribo para, um dia, vir a substituir o decadente Muiriaquitã. Este, um velho guerreiro de espírito limitado que só sabe usar a força e a intriga. Uma combinação trágica a todo o seu povo, mas que tem funcionado perfeitamente a quem mais interessa: a ele próprio que assim continua a ser a autoridade máxima e incontestável de toda a sua gente. Criticado por vezes, mal visto perante muitos já insatisfeitos, contudo, mantido até agora, firmemente no poder. E assim livre a seguir com todos os seus desmandos.

_Quando nossa redenção virá? _se questionam muitos, exasperados por uma esperança de dias melhores que parecem longe de o virem, ainda mais porque nada fazem para que isso mude.

_Por que nosso criador permite que soframos tanto? _é o lamentar de tantos outros, inconformados com uma situação que elas atribuem o encargo sobre ela unicamente a uma força invisível, se isentando elas de qualquer responsabilidade em o fazerem algo sobre isso.

Um drama que, aliás, se Apoçub o quisesse, poderia facilmente dar fim, eliminando seu débil antecessor. Mas esse não é o seu desejo, a despeito de um longo passado de mágoas e ciúmes entre ambos. Além de que o velho líder, apesar de todo o peso dos anos já bastante expresso em suas feições, o vigor físico ainda não lhe abandonou, logo ainda devendo demorar a morrer. Portanto, uma espera sem previsão de quando irá acabar.

Mas apesar disso tudo, Apoçub tendo em torno de uns quarenta anos de idade, acredita que só deverá assumir tal glória quando a profecia feita sobre ele então se cumprir. Pois mesmo lhe agradando a ideia do poder máximo, ele considera bem as consequências de se apressar o que pode se esperar.

_Não é coerente arriscar dividir nossa gente em uma luta inútil pelo que já é certo _ele justifica de tempos às investidas para que tomasse logo ao poder. _Todos nós sabemos que o tempo fará que ninguém aqui duvide que o destino de fato forjou a mim para que eu  liderasse todo um povo, o nosso.     

Por mais que para a maioria não haja mais quaisquer dúvidas sobre isso. Todas as suas conquistas há muito tempo já o tornaram imortal na memória de toda a sua gente. Ter conseguido fazer sua tribo, antes prestes a ser expulsa do Vale da Dor pela infinidade de inimigos que lhes rodeavam, então se tornar, em pouco tempo, a mais poderosa dentre todas; é um mérito indiscutível. Ainda tendo tornado seu povo prestigiado até mesmo além do entorno desses seus domínios, entre outras tribos que só o conhecem por suas histórias.

(CONTINUA....)


[1] Trata-se de algum ponto da região da Zona da Mata, situado no Estado da Bahia, entre as cidades de Salvador e de Ilhéus. Desde já deve se perceber que muitas localidades mencionadas nessa trama serão postas com seus nomes atuais para que seja possível a visualização dos trajetos de nossos personagens.


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