A Deus
Deus é um crente,
um céptico, um sábio,
um tolo, uma linha recta,
um labirinto, uma sala vazia,
um deserto atolado de gente,
um camião em contra-mão,
uma vírgula e um senão.
Deus é o fundo do poço no pico do Evereste,
o beco esquecido na Avenida,
o vale encantado de uma história bem contada,
o cheiro a terra molhada na esquina do verão.
Deus é o verbo que se fez carne
como nos disse João,
é o que vem antes e depois de mim,
porque foi primeiro que eu,
a mentira de verdade num livro de capa dura,
a multidão permanente de gente benevolente.
Deus é o apito do árbitro no penálti decisivo,
a mão de Diego na tarde Mexicana,
Eusébio a chorar numa noite para lembrar,
o grito da multidão a olhar para a bola que
acabou de entrar.
A derrota anunciada na baliza onde
mora a esperança.
Deus é o sal e a pimenta no bife mal passado,
a panela de cozido no almoço de Domingo,
o cheiro a Alentejo numa ramo de coentros,
o sabor a mar num prato de perceves enquanto
a sala cheia de gente entende que o amor mora
no descanso do sétimo dia.
Deus é Jeová, Zeus, Allah, Adonay,
Olorum, Júpiter, Odin, Khrisna, Shangdi,
o Alfa e o Ómega, o Primeiro e o Último,
o Princípio e o Fim,
A Raiz e o Descendente de David, a Resplandecente
Estrela da Manhã.
Deus é o primeiro choro da criança,
o último sorriso do ancião,
o meio de tudo e o fim de coisa nenhuma,
O abraço esquecido deixado lá atrás no outro lado da cidade,
O quente do sol na cara
nos primeiros dias de Junho,
A febre dos fenos no frio morno de Março.
Deus é o Diabo pintado de branco,
o Hades virado ao contrário no topo
do mundo,
o pecado da cruz deixado a secar
na colina de Gólgota,
a morte e a ressurreição,
Mahler na Segunda Sinfonia,
o terceiro dia do resto da vida,
Lázaro e o perdão,
o beijo de Eva na boca de Adão,
o milagre do peixe, do vinho e do pão.
Deus é Guernica nas garras do mestre,
o escopro de Michelangelo a rasgar a Pietà,
as pernas de Mona Lisa na cabeça de
Leonardo, Delacroix a desfraldar a bandeira,
o assombro de luz nas janelas de Gropius,
a Natividade de Caravaggio,
a impossibilidade de Magritte, a orelha perdida
de Van Gogh, De Chirico a cantar o amor,
os quadrados de Mondrian que queriam ser redondos,
A pedra,
a tela,
o chão,
o ferro,
a tinta,
o carvão.
Deus é beber Coca-Cola pela garrafa de vidro,
a imperial acabada de tirar,
o sentar e ouvir,
o andar e escutar,
o copo de Glenfiddish 18 anos, sem gelo,
a garrafa de Cartuxa deixada aberta a respirar,
o café quente da manhã quando lá fora está a nevar,
a noite depois do dia,
a insónia e o pesadelo,
os joelhos dobrados no chão frio da igreja.
Deus é o já a seguir porque agora
ainda é cedo para acreditar na
fé que chegou tarde para jantar.
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