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A arte de opinar sobre o texto e a cor das cortinas – De quem é a última palavra?

A arte de opinar sobre o texto e a cor das cortinas – De quem é a última palavra?
Sérgio Pacheco
Mar. 4 - 6 min read
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As guerras figuram como principais temores atuais, daqueles que mais preocupam as pessoas em todo mundo. Por exemplo, dá até arrepio na gente ver na televisão a recente invasão dos soldados da Rússia ao território da Ucrânia.

 

Estaríamos próximos a uma 3ª guerra mundial? Ter medo é uma função instintiva do ser humano e nos ajuda a nos manter vivos. Esses conflitos na Europa, com certeza, têm quase a unanimidade de nossa desaprovação.

 

Porém, quando se trata de evitar conflitos “dentro de nossa casa”, tudo parece complexo, quase impossível. Lidar com opiniões divergentes é um grande desafio das relações sociais, nossa “guerra particular” acontece no dia-a-dia, na família, no trabalho, no condomínio e na escola.

 

Esse assunto faz lembrar uma história confidenciada por um amigo, o Professor Moacir, mestre no sentido literal da palavra, hoje aposentado e vivendo num condomínio de classe média.

 

Contou ele sobre ter assistido a verdadeiras brigas em sala de aula por causa de opiniões divergentes. Há casos de turmas que permaneceram divididas até a formatura. Hoje também percebe o mesmo comportamento de cisma comunitário entre seus vizinhos no condomínio predial. Nos dois casos, aos poucos vão se formando grupos rivais e, se não tiver quem tenha maior juízo, podem tornar insustentável a vida em comunidade.

 

E por quê acontecem frequentemente conflitos e até agressões verbais entre colegas e vizinhos por conta de visões diferentes sobre determinada questão? Sobre as brigas entre moradores, o velho mestre diz não ter muita certeza, mas em sala de aula já presenciou de tudo!

 

O problema surge geralmente quando um grupo de alunos que têm divergências pessoais disputa o poder de ter razão perante determinadas matérias. Nesses casos, lutando pelo poder de ter a última palavra! “- Tem hora que parecem crianças brigando pelo brinquedo”, disse o Professor Moacir.

 

Dia desses, o tema da aula fazia referência a um texto interpretativo, enviado para leitura prévia dos alunos. O professor introduziu o assunto levantando uma questão subjetiva sobre as intenções do personagem, visando a induzir os discentes a se posicionarem. Isso não implicava, necessariamente, que ele “gostasse de ver o circo pegar fogo”. Pelo contrário, perguntas desse feitio, alimentam a esperança de que uma resposta complemente (e não anule) a outra. Mas a questão levantada soou como uma polêmica no meio estudantil!

 

Após um pupilo se manifestar, uma segunda voz se fez ouvir dizendo: “Discordo totalmente do Adão!”, era a voz do Alexandre. Os dois não se davam bem, há alguns dias disputaram a liderança de representante da turma. O Adão perdeu a votação, era muito tímido. Mas naquele dia o seu grau de timidez sumiu por completo (ou, quem sabe, estava em alta sua disposição para o combate). Foi logo retomando a palavra e apresentando sua réplica, a que se sucedeu a tréplica do Alexandre. O tom de voz aumentou e o clima parecia dia de luta de MMA (MMA são artes marciais que incluem golpes de luta em pé e técnicas de luta no chão).

 

E levantou a Duda, fiel escudeira do Adão, amigos desde o ensino médio. Foi logo acusando o oponente de não ter lido o texto, de querer atrapalhar. Na sequência, se manifestaram outros alunos. Como torcidas organizadas. Uns a favor e outros contra.

 

Pronto! O ambiente ficou “do jeito que o diabo gosta”. Até aparecer um ou dois alunos lá do “fundão”, refratários ao teor da aula. Claro que não tinham nem sequer tocado no texto. Tomaram a palavra só para discordar do método empregado e o que nomeavam de “didática” do Professor Moacir.

 

Naquele episódio acadêmico, como acontece na maioria dos casos entre discussões condominiais, diríamos que há modos alternativos de discordar dos colegas ou dos professores. Também é importante dizer o quanto pesam determinadas palavras, assim como o modo de utilizá-las.

 

Em substituição ao “discordo totalmente” do colega de sala de aula, poderemos formular sentenças mais acolhedoras, tais como: “Em complemento ao que o Adão disse, penso que…”; ou: “Paralelamente à observação da Duda, seria produtivo discutir a questão levantada”; ou ainda: “Professor, aproveitando a sua pergunta, poderíamos falar acerca do contexto histórico do texto e assim entender a fala do personagem?”

 

Qual a moral dessa história? É que grande parte dos alunos aprendeu desde cedo, de forma equivocada, que a sala de aula é espelho dos negócios e dos empreendimentos. Um mundo competitivo onde parece haver uma disputa entre o “vencer uma ideia” contra o “somar à palavra do outro”.

 

Pois, com o passar do tempo lecionando em sala de aula é que o Professor Moacir pôde entender esses embates como episódios de concorrência pessoal (e vaidade “acadêmica”). Frequentemente superar o interlocutor importa bem mais que a reflexão sobre o tema em questão. Silenciar ou derrotar o opositor assume importância muito maior que o debate e a troca de ideias.

 

Em verdade, na convivência diária, seja no caso dos vizinhos ou dos discentes, uma postura mais solidária pressupõe uma concepção diferente de convivência. Acima de tudo, ela repousa em maior humildade frente ao conhecimento, quase sempre constituído a partir de fragmentos em diálogo.

 

Pode-se discutir de tudo numa conversa: da crença à descrença; da concorrência à cooperação; do time favorito ao candidato do coração; do valor real da taxa de condomínio à cor das cortinas. Só não pode prescindir do respeito às pessoas e às ideias, e seu lugar no estímulo saudável ao pensamento crítico e na convivência harmoniosa.


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